Com poucas perspectivas de crescimento do emprego formal no curto e no médio prazos e com uma perda acumulada de três milhões de usuários, as operadoras querem aumentar o número de beneficiários da saúde suplementar voltando a vender planos individuais. A modalidade hoje representa apenas 20% dos contratos do setor, sendo a maior parte do mercado de planos coletivos empresariais.

Para a volta dos planos individuais ao mercado, no entanto, as empresas reafirmam a necessidade de mudanças no marco legal. Na prática, querem que os reajustes deixem de ser limitados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A ideia é que cada operadora apresente sua variação de custo e a agência verifique e autorize. Além disso, as operadoras querem ampliar os tipos de contratos, o que chamam de modulação de produtos.

A proposta que será apresentada no 5º Fórum da Fenasaúde, que acontece dia 24, em Brasília – com a presença do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e de representantes dos Poderes Judiciário e Legislativo – prevê a possibilidade de contratação de módulo só com consultas, outro de exames, um de terapias (como tratamento de câncer) e ainda outro hospitalar, sendo este último o único que daria direito a emergência.

Ou seja, quem tiver plano só de consulta vai ter que pagar os exames ou recorrer ao SUS. Já quem tem um conjugado de consultas e exames, mas não o de terapia, e descobrir um câncer, vai ter que se tratar no serviço público. E, em todos esses casos, quem não contratou o pacote hospitalar, se quebrar um braço, vai para o hospital público ou paga pelo atendimento.

Impacto no SUS

Na avaliação de Vera Valente, diretora executiva da Fenasaúde – que reúne as maiores empresas do setor – essa modulação permitiria a contratação de planos por quem hoje é 100% dependente do SUS.

Médica sanitarista e professora da UFRJ, Ligia Bahia não acredita que a modulação dos planos venha a ter um efeito sobre o SUS. “Entre os anos de 1990 e 2015, dobrou o número de usuários na saúde suplementar, e isso não fez o SUS melhorar. Por outro lado, não há lógica de fazer pré-pagamento para ter direito a um plano que só prevê consultas; se for assim, é melhor recorrer a clínicas populares. Ao compartimentar todos os serviços do plano, o risco é encarecer o contrato que hoje é de referência, que virá com todos os adicionais, assim como vimos acontecer com os carros”, explica.

Falta de integração com o SUS é o risco

Andre Medici, economista sênior em saúde do Banco Mundial, defende flexibilizar a regulação para oferecer planos mais acessíveis. Mas um dos grandes riscos da modulação, diz, é a falta de integração entre o SUS e a saúde suplementar.

“Em países como o Canadá, onde existem planos de saúde complementares à oferta pública, essa integração funciona perfeitamente, facilitando o traslado do paciente da atenção pública para a do plano e vice-versa. No Brasil, a saúde suplementar e o sistema público funcionam como compartimentos estanques”, diz.

Na opinião dele, essa modulação só poderia ser feito se for preservada a mesma cobertura prevista no atual arcabouço regulatório. “Fazendo uma analogia, optar por um plano de saúde é como optar por um carro, e não por um conjunto de autopeças. Mas existem diferentes modelos de carros de acordo com as necessidades e capacidade de pagamento das famílias”, compara.

A favor

“Essa medida desoneraria o serviço público. E mesmo que o usuário precise fazer o tratamento no SUS, ele chegará lá com outra condição, pois estará recebendo uma atenção continuada. Prevejo competição entre empresas pelo menor reajuste. Com a portabilidade, o consumidor pode trocar de empresa, caso a que esteja aplique reajustes muito altos.”

Contra

“Não há demonstração clara de contrapartida para o consumidor. Além disso, há a preocupação de que o plano tradicional, tal qual conhecemos, deixe de ser vendido, assim como aconteceu com o individual nos últimos anos. Fora o risco do reajuste ilimitado. Se as empresas vão disputar por reajuste menores num mercado mais livre, por que já não o fazem?”

Alerta

Legislação. Os planos de saúde hoje são submetidos à Lei 9.656, de 3 de junho de 1998. Segundo a OAB, mudanças em debate pretendem restringir a cobertura.

Fonte: O Tempo