“Hoje, os programas dependem de verbas, de alocação de recursos. Não podemos dizer que o Brasil resolveu o problema, afirmou o médico dr. Dráuzio Varella durante abertura do I Fórum de HIV e Doenças Associadas que aconteceu na manhã dessa quinta-feira (14), no auditório do hospital Emílio Ribas. Para ele, a o país precisa se lembrar de fazer prevenção.

Dráuzio resgatou sua experiência sobre como se deparou com a aids na cidade de Nova York, epicentro da epidemia americana. Ele contou que apesar da trabalho recorrente com vítimas da câncer, nunca havia visto tantos jovens com doença tão grave. “Os jovens gays achavam que era coisa do governo do então presidente Reagan, achavam que era ‘coisa de quem não tem a cabeça boa’ enquanto a imprensa tratava a aids com a peste gay.”

O médico participou ativamente da chegada do coquetel de antirretrovirais nos anos 90. “A resposta à ciência foi muito rápida. Antes dos anos 80 não sabíamos nem que retrovírus pudessem provocar doenças humanas. Assim, se a epidemia de aids tivesse acontecido 5 anos antes, é provável que o impacto seria muito maior.”

Dráuzio também lembrou a relevância e pioneirismo do Brasil na oferta de tratamento para todas as pessoas através do Sistema Único de Saúde (SUS) e como esses resultados impactaram a política de outros países. “Diziam que não adiantaria dar antirretroviral para pobre, porque não eles não tomariam o remédio direito e aumentaria a resistência do vírus. Isso era algo dito em conferências internacionais. A experiência brasileira no entanto, mostrou que era possível distribuir tratamento gratuito para as pessoas, o que ajudou no impacto ao tratamento em países da África.”

No entanto, ele afirma que a ausência de prevenção nas escolas e o pouco diálogo com os jovens é um grande problema. “Esse é o desafio do século XXI: como vamos impedir as novas infecções?”

Do Departamento de Infectologia do Hospital de Heliópolis, dr. Juvencio Furtado ressaltou a maneira com que a mídia lidou com a doença resultou em problemas enfrentados por pacientes como a repulsa familiar.

Por outro lado, a pressão sobre a indústria foi um marco através da lei de 13 de novembro de 1996 que dispõe sobre a distribuição gratuita de medicamento às pessoas vivendo com HIV e aos doente de aids.

A decisão de tratar as mulheres infectadas durante a gestação para que elas chegassem à carga indetectável e não transmitir à criança, também é destaque no que se refere aos avanços no combate à transmissão vertical. Apesar disso, no mundo, apenas 47% das pessoas vivendo com a HIV estão com carga viral indetectável.

 

Coinfecções

 

O dr. Mário Gonzalez, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, trouxe números que enfatizam a importância do cuidado com as hepatites e a sífilis principalmente nos casos de coinfecção com o HIV. Ele explique que a chance de encontrar o vírus da hepatite C em pessoas que vive com HIV é seis vezes maior do que em pessoas soronegativas.

“A hepatite C é altamente prevalente pois 9,8% dos casos representam coinfecção. Alguns hábitos sexuais são associados à transmissão da hepatite C, que são o sexo anal e pessoas que tem múltiplos parceiros. A coinfecção faz com que a doença evolua mais rápido para condições como a cirrose. Em paciente com HIV, depois da aids, a hepatite é o maior causador de morte dessas pessoas.” 

Já a hepatite B é, segundo dr. Mário, “uma doença negligenciada, pouquíssimas pessoas adultas são vacinadas, falta divulgação, falta informação. É a décima maior causa de morte do mundo. Todos os pacientes com HIV devem fazer também sorologia para hepatite B na sua visita inicial  além de receber 3 doses da vacina.”

Ademais, a hepatite A vive uma epidemia no Brasil. A transmissão através da exposição sexual vem sendo destaque apesar da doença também poder ser contraída por água e alimentos contaminados. Por isso, pacientes vivendo com HIV também devem, necessariamente, tomar a vacina.

Para dr. Mário, “a sífilis, por sua vez, nos faz parar para pensar em prevenção já que houve um aumento exponencial da doença inclusive em sua forma congênita. A presença de sífilis em pessoas que vivem com HIV também tem aumentado, o que é uma preocupação já que a doença evolui de forma acelerada nos casos de coinfecção.”

Prevenção e educação 

Maria Amélia Veras, do Núcleo de Pesquise em Direitos Humanos e Saúde LGBT+ ressaltou que, “contraditoriamente, a escola é um espaço de reprodução de hierarquias e perseguição aos que parecem mais frágeis. Assim, o bullying e as hostilidades são agravantes para a discriminação de pessoas transexuais nas escolas no Brasil.

Uma pesquisa da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos de 2015 mostra que 68% das pessoas transexuais foram agredidas verbalmente e 25% fisicamente em razão da identidade ou expressão de gênero, o que resulta em alta evasão escolar.

Nesse sentido, o infectologista Ricardo Vasconcelos fala sobre as dificuldades de conquistar a prevenção. “Não sabemos o que fazer com a prevenção, apenas com as pessoas que já tem HIV. Tudo o que estamos fazendo até agora, funcionou de maneira parcial. Tratar a pessoa que vive com HIV é também uma forma de previnir. O Indetectável = Intransmissível é um fato, se colocar contra essa informação pega mal. A PrEP e a PEP são resultados de todo os esforços para avançarmos na prevenção. A camisinha, por exemplo, tem um problema: precisa ser usada para funcionar. Além disso, ela nunca foi, nem nunca será capaz de controlar sozinha uma epidemia de IST. Por isso, a importância da prevenção combinada.”