Em uma tentativa de reverter a queda nos índices de vacinação de crianças, o governo estuda tornar obrigatória a exigência da carteirinha nacional de imunização como requisito para a matrícula nas escolas.

Atualmente, a apresentação da carteirinha de vacinação já é cobrada por parte das redes de ensino durante a matrícula dos alunos, mas não há uma regra federal sobre o tema. Agora, a ideia, que tem apoio do Ministério da Saúde, é fazer uma portaria conjunta com o Ministério da Educação para regulamentar essa exigência. A iniciativa foi revelada pelo jornal “O Estado de S. Paulo”.

A cobrança de um documento que comprove a vacinação foi defendida pela coordenadora do Programa Nacional de Imunizações, Carla Domingues, durante uma audiência na Procuradoria-Geral da República.“Já vemos estados tendo ações de, em conjunto com as câmaras legislativas, olharem as cadernetas de vacinação. Será que não é o momento da Saúde, em conjunto com o MEC, ter um decreto nacional com obrigação de que cada escola observe a caderneta da criança e do adolescente?”, sugeriu.

Não está claro, porém, se a exigência impediria o acesso do aluno à escola. Membros do Ministério da Saúde, porém, dizem avaliar que a ideia é que haja exceções. Nestes casos, pais de crianças alérgicas ou com contraindicação à vacina, por exemplo, seriam obrigados a assinar um documento com justificativa para a não vacinação dos filhos.

O mesmo valeria para aqueles que não desejam que os filhos sejam vacinados. A discussão integra um conjunto de novas ações em estudo para enfrentar a queda nos índices de cobertura vacinal no país. Conforme a Folha mostrou em junho, o país registrou em 2017 os mais baixos índices de vacinação em mais de 16 anos. “A partir de 2011 vemos gradativamente diminuição de coberturas vacinais. Isso mostra que estamos não vacinando as crianças da forma como vacinávamos no passado”, diz Domingues.

Atualmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente determina como “obrigatória” a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. A cobrança dessa obrigatoriedade, no entanto, divide especialistas. A presidente da Sbim (Sociedade Brasileira de Imunizações), Isabela Ballalai, diz que a entidade deve elaborar um documento sobre o tema até o fim deste mês.

Para a socióloga Rita Coelho, do Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil, a escola pode até solicitar a carteirinha de vacinação, mas sua apresentação ou atualização não pode ser condição para a matrícula. “Aliás, nenhum documento [pode ser condição], nem certidão de nascimento, porque a criança já está tendo um direito negado porque a família não providenciou, ou por outro motivo. Se colocar como condição para a matrícula, isso aumenta a desigualdade e a criança passa a ter outro direito negado”, afirma.

Segundo ela, a escola tem o dever de apoiar a família e detectar problemas, como a negligência nos cuidados. Mas não pode criar meios de impedir o acesso à educação. Iberê Dias, juiz da Vara da Infância de Guarulhos e membro da coordenadoria de infância do TJ-SP, concorda. “São dois interesses que se contrapõem. O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) determina que se vacine seus filhos, e é bem importante que os pais o façam. Mas daí a fazer disso um requisito para a matrícula nas escolas há uma distância. Temos feito esforços para aumentar a quantidade de crianças matriculadas no ensino regular e para que frequentem a escola. Impor a vacinação como requisito mínimo para matricular as crianças pode acabar mais afugentando as crianças da escola do que aumentar o índice de vacinação”, diz.

Ele sugere outras medidas. “Parece mais interessante ter as crianças na escola e a partir disso fazer um trabalho de sensibilização para que sejam vacinadas do que dizer que só entra aqui em estiver vacinado.” E se houvesse um termo de responsabilidade? Para Dias, a medida não teria valor jurídico, já que a lei determina a vacinação como obrigatória. “Um pai não pode assinar um termo e achar que por isso está isento de fazer a vacinação. É uma questão de saúde pública”.

Outras medidas

Polêmica, a exigência da carteirinha de vacinação não é a única medida em estudo para aumentar a cobertura vacinal no país. Representantes das secretarias de saúde defendem a necessidade de aumentar a parceria com as escolas para oferta das vacinas. Tal medida, porém, só poderia ser feita a nível estadual e municipal, já que as redes de saúde têm autonomia para organizar as ações.

“Temos que ir para a escola [vacinar]. E pai e mãe que não quiser tem que dar uma declaração de que não aceita”, afirma Mauro Junqueira, do Conasems (conselho nacional de secretários municipais de saúde).

Segundo Domingues, outros problemas que precisam ser analisados são a falta de atualização do sistema de registro de vacinação pelas prefeituras e os horários limitados de funcionamento dos postos de saúde, que fecham às 17h.

Apesar de considerar a mudança como necessária, Domingues diz que a quantidade insuficiente de profissionais na rede de saúde tem impedido a abertura de postos em horários ampliados. “Como vamos flexibilizar os horários de salas de vacina com recursos humanos insuficientes?”, questiona ela, que defende uma reorganização da atenção básica, com oferta de vacinação também para a população que não consegue se dirigir aos postos de saúde. “Precisamos repensar como ter equipes volantes e vacinação extra-muros”, afirma.

Fonte: Folha de S. Paulo