Médicos que atenderam os primeiros casos de aids no Brasil nas décadas de 80 e 90, época em que não existiam medicamentos potentes para controlar a doença, defenderam, na manhã desta quinta-feira (14), no I Fórum de HIV e doenças associadas, em São Paulo, mais investimentos na política nacional de HIV/aids e hepatites virais. “O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou na semana passada a promessa de acabar com HIV nos EUA em 10 anos. Por que a gente não pode trazer essa agenda para o Brasil? Já somos signatários das metas 90-90-90, da ONU”, questionou o infectologista Esper Kallás, professor da Faculdade de Medicina da USP.

O médico está preocupado com os rumos da luta contra a aids no atual governo. Ele lembrou que a ousadia nas políticas públicas brasileiras dos anos 90 e a atuação do movimento social foram decisivos nos avanços contra a aids. “Temos que manter a vanguarda do programa brasileiro. O que conquistamos até hoje é inegociável, nossa atuação deve ser incisiva e trazer a comunidade mais uma vez para a luta, ou a gente não vai ter sucesso.”

De acordo com o pesquisador, “a aids não está controlada, todos os anos 12 mil pessoas morrem em decorrência da doença no Brasil. Mesmo como acesso aos medicamentos e as novas tecnologias de prevenção, o número de novas infecções também está crescendo. A situação está fora de controle”, disse.

Especialista em hepatites virais, o infectologista Evaldo Stanislau, concordou com Esper e afirmou que a política pública no Brasil não pode retroceder. “Temos drogas potentes que curam em mais de 90% a hepatite C, mas o problema ainda não está resolvido. Assumimos a meta de eliminar a doença como problema de saúde pública até 2030. Em 2006, a hepatite matava mais do que a aids. Hoje, são mais de 70 milhões de pessoas infectadas com hepatite C no mundo.”

Maria Clara Gianna, coordenadora-adjunta do Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo também participou das discussões, reconheceu que há muitos avanços nesta luta, mas é preciso avançar ainda mais. “Se a epidemia tivesse ocorrido 10 anos antes, na época da ditadura militar, sem o SUS e sem o movimento social organizado, não teriamos os ganhos de hoje. Conseguimos reduzir os casos de aids e os óbitos, mas nos preocupa profundamente o número de novas infecções entre jovens e jovens gays”, ressaltou.

Da Agência de Notícias da Aids, a jornalista Roseli Tardelli parabenizou o evento por trazer a comunicação para a discussão. “A aids precisa voltar a ter prestigio na imprensa, temos que resignificar a nossa fala e sair da caixinha. Os senhores precisam levar mais a sério o poder da comunicação. O meu trabalho, assim como o de vocês, é salvar vidas”, disse.

Segundo Roseli, os médicos e pesquisadores precisam atender mais a imprensa. “É uma luta conseguir um artigo dos senhores. Vocês precisam ocupar os espaços nos jornais e comunicar melhor.”

Harley Henrique, do Fundo Positivo, defendeu a importância do diálogo comunitário nesta luta. “Este é um momento de reflexão, são muitos os desafios pela frente, mas temos que ser otimistas e acreditar que juntos vamos conseguir avançar, como fizemos na década de 90.”

O evento aconteceu no auditório do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e foi uma iniciativa da Sociedade Paulista de Infectologia.

Leia mais:

Impedir novas infecções por aids é o desafio do século XXI, diz Dráuzio Varella

Talita Martins (talita@agenciaaids.com.br)

Dica de entrevista

Sociedade Paulista de Infectologia

Tel.: (11) 5572-8958