Pesquisas têm mostrado que o estigma e a discriminação estão entre os principais obstáculos para prevenção, tratamento e cuidado em relação ao HIV/aids. Pensando nisso, o Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo reuniu, nessa quarta-feira (9), na Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania de São Paulo, representantes de serviços de saúde que atendem pessoas vivendo com HIV/aids para pensar caminhos para chegar a zero discriminação. De acordo com o coordenador do Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo, Artur Kalichman, o estigma e discriminação podem prejudicar o acesso e a adesão ao tratamento e afastar as pessoas dos serviços de saúde.

Estudos indicam também que o medo de ser discriminado desencoraja pessoas que vivem com HIV a revelar sua sorologia. “Já caminhamos muito na luta contra a aids, há avanços tecnológicos impressionantes, mas o preconceito e a discriminação não mudaram. Como estamos trabalhando a questão de zero discriminação nos serviços de saúde? E o preconceito institucional? O que é diferente é desqualificado e desvalorizado”, disse Artur.

Ainda segundo o gestor, não será possível atingir as metas 90-90-90, da ONU, se as questões relacionadas ao preconceito e discriminação ficarem de lado. “Temos que aprender a lidar com a diferença de forma criativa.”

As metas da ONU preveem, até 2020, 90% das pessoas vivendo com HIV diagnosticadas; destas, 90% esteja em tratamento antirretroviral; e destas, 90% com carga viral indetectável.

Do Unaids (Programa Conjunto das Nações Unidas Sobre HIV/Aids), Cleiton Euzébio de Lima, assessor da mobilização social e trabalho em rede, concordou com Artur. “Temos muito para avançar no que diz respeito à discriminação. Hoje, lutamos por zero nova infecção, zero mortes relacionadas a aids e zero discriminação. Então, os serviços de saúde precisam ser espaços livres de preconceitos e acolhedores, sem distinção de gênero, raça cor, sexo, entre outros.”

De acordo com Cleiton, é preciso pensar sobre o que entendemos como serviços de saúde sem discriminação. “Tratar todo mundo igual não é suficiente, temos que investir em equidade. O racismo, a pobreza, a homofobia, a transfobia, o conservadorismo, a violência, o estigma, a marginalização, a criminalização e discriminação impactam diretamente na cascata do cuidado continuo da pessoa vivendo com HIV/aids.”

O evento é a primeira atividade organizada pelo Grupo de Trabalho Zero Discriminação, do CRT/Aids, que reúne gestores, pesquisadores, profissionais de saúde e a sociedade civil.

Altos índices de violência e discriminação

Para confirmar o avanço da discriminação no Brasil, o professor e pesquisador Jorge Beloqui, do GIV (Grupo de Incentivo à Vida), apresentou dados da sociometria da RNP+Brasil (Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids). Os número revelam o crescimento do preconceito e da violência com soropositivos.

Em 2015, das 323 pessoas que responderam a sociometria, 193 disseram que sofreram discriminação. Em 2017, o número subiu. Das 432 pessoas que responderam a pesquisa, 241 confirmaram a discriminação. “Quando perguntado qual tipo de discriminação, elas disseram que está relacionada à condição sorológica, a segunda opção mais votada foi ser homossexual ou bissexual.”

Os dados sobre violência também impressionaram Beloqui. Em 2015, 33% das pessoas relataram que sofreram algum tipo de violência, seja ela psicológica, familiar, física ou violência institucional. Em 2017, o número chegou a 27%.

“Certamente os índices sobre discriminação e violência são maiores, nem todos os membros da RNP+ Brasil responderam a sociometria, mas o dado que mais me chamou atenção é que essa população relatou alta adesão ao tratamento, no entanto, é uma população que tem muita aids. Além disso, o conhecimento sobre antirretrovirais é baixo.”

Jorge concluiu que devido a homogeneidade dos dados é preciso implementar cada vez mais políticas universais contra a discriminação e a violência sobre as pessoas vivendo com HIV/aids e os grupos mais atingidos. Ele defendeu que este também é assunto a ser debatido na educação.

Racismo

Do Programa Municipal de DST/Aids de São Paulo, Celso Monteiro, afirmou que “o racismo não dá em ponte, dá em gente”. E defendeu o avanço da equidade no Brasil. “A população afrodescendente está entre as comunidades mais pobres e marginalizadas do mundo. O desafio que está posto é a resposta institucional. O preconceito racial, a discriminação e o racismo institucional agregam perdas significativas na prevenção e na assistência. O impactado da discriminação sobre as pessoas é determinante.”

Sobre violência e discriminação relacionada à comunidade LGBT, Cássio Rodrigo, coordenador de Políticas para a Diversidade, criticou a ausência de dados. “Não sabemos qual é o número oficial da população LGBT no Brasil. Se eu não tenho uma população, para quem eu vou fazer uma política pública?”, questionou.

“A população LGBT é tão desrespeitada que muitas travestis e transexuais não conseguem se quer o nome social no cartão do SUS. Não há humanização, temos que combater a intolerância a LGBTs e romper o ciclo de negação de direitos”, afirmou Cássio. “LGBTfobia não é crime, então não existe a obrigatoriedade de notificação, é preciso mudar isso.”

A professora Luiza Coppieters esteve no debate e disse ter sido vítima de diversas formas de discriminação depois de assumir publicamente sua transexualidade. Ela foi demitida de uma escola particular.  “Ser trans é não precisar sair de casa para sofrer violência e o que mais me dói é ver mulheres cisgêneras sendo preconceituosas com nós, mulheres trans.”

O evento durou o dia todo e o Programa Estadual anunciou que em breve vai realizar uma pesquisa sobre discriminação nos serviços especializados em DST/Aids de São Paulo.

Dica de entrevista

Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo

Tel.: (11) 5087-9907

Talita Martins (talita@agenciaaids.com.br)