“A previdência social é um direito fundamental e um direito humano”, defende Kariana Guérios, advogada da ONG Gestos. Durante sua fala no V Encontro Regional da Rede Nacional de Pessoas com HIV/Aids no Ceará, ela esclareceu as principais dúvidas a respeito de como a reforma da previdência pode impactar na vida das pessoas que vivem com HIV.

Para Kariana, o direito das pessoas que vivem com o vírus não deveria ser de responsabilidade apenas da área da saúde, “mas precisa ser pensado de forma conjunta, ao lado dos diferentes ministérios como uma política macro. Isso porque a lesão de um direito gera um efeito em cadeia que faz com que outros direitos também sejam lesados.”

Kariana esclareceu que a previdência social é o sistema que garante o pagamento de aposentadorias, pensões por mortes, auxílio-doença, auxílio-acidente, licença maternidade e outros benefícios aos cidadão que participa de seu sistema através de contribuições.

Segundo a nova proposta da previdência, o tempo mínimo de contribuição passaria de 15 a 20 anos. Para o homem trabalhador urbano se aposentar seria, então, necessário ter 65 anos de idade e 35 de 35 anos. Já para a mulher, a proposta é que a idade mínima seja 62 e 30 anos de contribuição.

Além disso, se a pessoa tiver menos de 20 anos de contribuição o valor da aposentadoria ficaria reduzido a 60% do total que estaria disponível caso o trabalhador tivesse contribuído por mais de duas décadas.  “Assim, se as pessoas tiver alguma doença como o HIV e tiver menos de 20 anos de contribuição, a proposta é que para que ela receba apenas 60% do benefício”, explica Kariana.  

Bônus para os peritos

No novo modelo, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) terá aceso a dados de bancos de informações como Receita Federal, SUS, FGTS e outros para análise de concessão. Serão verificados todos os benefícios com indícios de irregularidades e o trabalhador urbano terá 30 dias para fazer a defesa e o rural 60 dias.

Ao esclarecer questões práticas e políticas que envolvem a reforma da previdência, a servidora do INSS, Joana Moreira, afirma que é preciso entender o sistema para reivindicar seus direitos. “Mais do que uma política entre partidos, precisamos entender o que é plano neoliberal e o que ele tem a ver com nossa saúde.” Joana buscou elucidar o que acontece por trás das desaposentadorias, como o bônus que médicos peritos recebem para recusarem ou cancelarem um determinado benefício. Trata-se da Portaria Conjunta 1/2017, do INSS e da Procuradoria-Geral Federal, órgão da Advocacia-Geral da União (AGU) responsável pela representação e assessoramento jurídico da administração indireta federal. A revisão periódica dos benefícios por incapacidade laboral já estava prevista em instrução normativa do INSS, mas o governo editou a Medida Provisória 767/17 para estimular os peritos da Previdência, por meio do pagamento de um bônus, a fazerem um número maior de procedimentos.

O Projeto de Lei de Conversão

Para que essas mudanças seja realizadas foi criada a proposta do Projeto de Lei de Conversão 11/2019, que prevê que os segurados que recebem benefícios como auxílio-doença e outros há mais de seis meses e que não tenham data para cessação ou indicação de reabilitação, serão revisados. Ainda segundo o Projeto de Lei, as pessoas que recebem BPC há mais de dois anos sem perícia, também devem passar por revisão. A prova de vida será anual e por meio de biometria; pessoas com deficiência moderada ou grave e idosos terão regras especiais. Ficaria determinado o prazo de 10 anos para poder questionar junto ao INSS revisão do ato de concessão, indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício.

Para Kariane, há problemáticas a serem ressaltadas nessa nova proposta. “As perdas dos benefícios por incapacidade e o aumento do tempo de contribuição são alguns dos fatores que geram prejuízos na qualidade de vida, assim como no tratamento das pessoas vivendo com HIV. São mais adoecimentos tanto do ponto de vista da saúde física, mas principalmente da saúde mental”, disse. “Imagine onde uma pessoa que, com 53 anos de idade, há 18 anos aposentado por invalidez, sem trabalhar, vai conseguir uma recolocação no mercado de trabalho?”

Desafios e estratégias

“Repolitizar a aids, voltar a olhar para os valores, pois são eles que vão nos nortear para vivermos nestes movimentos difíceis. É preciso ampliar a agenda e discutir a questão da aids do ponto de vista dos direitos humanos e do desenvolvimento”, sugere Kariana como forma de fortalecer o movimento social diante dessas possíveis mudanças. “Qualificar as lideranças, e como consequência o controle social que está sendo realizado pela sociedade civil, inclusive no que diz respeito a questão orçamentária. Também se faz necessário a integração com outros movimentos e patologias, precisamos estimular as pessoas a voltarem a ter o espírito ativista.” 

Kariana também ressalta a importância de se mostrar para a sociedade como um todo o que é viver com HIV/aids. “É preciso sensibilizar outras pessoas e o mercado de trabalho para as necessidades das pessoas vivendo com HIV.”  

A advogada defende a necessidade de o movimento social se apropriar da legislação que existe, fazer pressão política, articular com os Ministérios Públicos Federais e Defensorias Públicas da União e a Frente Nacional Parlamentar de Aids. Fazer eventos junto ao judiciário, como forma de sensibilizar o olhar desse público alvo para as demandas das pessoas vivendo com HIV. 

Como sugestão prática, Kariane coloca o pública para refletir sobre a possibilidade de fazer articulação com instituições como Sebrae, Senac a fim de capacitar as pessoas que vivem com HIV e que estão fora do mercado de trabalho, assim como realizar conscientização junto às empresas.

“Fazer articulação com o Ministério Público do Trabalho para multar e contribuir para acabar com o preconceito e discriminação no mundo do trabalho em relação às pessoas que vivem com o vírus. E porque não pensar em inserir essas pessoas nas cotas de pessoas com deficiência dentro das empresas?”, finaliza. 

 

Jéssica Paula (jessica@agenciaaids.com.br)

A Agência de Notícias da Aids cobre o V Encontro Regional da Rede de Pessoas Vivendo com HIV com apoio do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis.