“A arte pode transformar diferentes realidades sociais”, diz Adriana Bertini nos fundos de seu apartamento enquanto explica como se divide entre “cuidar da casa, das crianças, lavar a louça, reunião com assessores, entrevistas, montagem e peças para refazer.” São nas poucas horas vagas e durante a madrugada que seu trabalho ganha forma. Na despensa, estão telas, preservativos pintados, pílulas, suportes, e manequins. Em seu ateliê improvisado, Bertini fala sobre como a arte pode ser instrumento para combater a desigualdade social e como tem se preparado para a exposição, por ela idealizada, O.X.E.S.

O nome O.X.E.S não é mero acaso, o termo remete à palavra sexo de trás para frente, deixando claro para o público que prestigiar a instalação, viverá uma imersão nos temas relacionados à saúde sexual e sobre métodos e informações de prevenção. Provocar debates para combater preconceito e estimular a adesão ao tratamento do HIV/aids e Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) são os objetivos da exposição de arte contemporânea que acontecerá a partir do dia 17 de abril, em São Paulo.

Artivismo

“É por isso que gosto do artivismo. Esse é o papel da arte, ressignificar, mudar comportamentos, é a art for social change”, fala do nome já popular em outros países, mas que precisa ganhar força no Brasil, “a arte para mudança social”.

Enquanto cuidadosamente cola preservativos sobre uma tela branca, responde os assessores, e fica de olho no relógio para não perder o horários das crianças na escola, Bertini fala sobre como a arte extrapola fronteiras. “É uma linguagem só. Não precisamos falar a mesma língua para nos comunicarmos pela arte.”

Assim, arte e vida real se mesclam desde a concepção das obras da artista. Até os filhos colaboram com a produção. “Querem ajudar em tudo”, conta ao mostrar que almofadas em forma de pílulas azuis, que remetem à PrEP (Profilaxia Pré-Exposição), já fazem parte da decoração do quarto das crianças.

Quanto à quebra de tabu, a artista se encanta ao se deparar com histórias como mulheres que viviam a realidade da mutilação genital e que passaram a não aceitar mais a prática graças à inserção e valorização de seus trabalhos artísticos.

“Quero ir até as pessoas que vivem com alta vulnerabilidade, descobrir suas paixões e fazer com que elas se empoderem pela arte. Não é só questão de necessidade. É fazer a arte ir de encontro com o que as pessoas precisam. É encontrar soluções por meio dela.”

Alice e Lorenzo, os filhos de Adriana Bertini 

Dentre as peças da O.X.E.S estão vestidos feitos de preservativos e telas feitas sociais promovam de forma artística e didática, a importância da arte para a discussão de um tema, que ainda é preconceito: o SEXO”, afirma Adriana.

Saúde, HIV e arte

Bertini que já expôs o seu trabalho em mais de 28 países, nos cinco continentes, conta com o apoio e participação de Fabiana GabasKallás, médica e artista visual, e Lucrécia Couso, curadora da exposição, além do infectologista Rico Vasconcelos.

O trabalho de Adriana chamou a atenção do norte-americano Timothy Ray Brown, que desembarca pela primeira vez no Brasil para uma conferência sobre o tema e para a abertura da O.X.E.S. Conhecido como o “Paciente de Berlim”, Brown foi o primeiro caso do mundo de cura do HIV, depois de passar por dois transplantes de medula óssea, em 2007. Desde então, ele não apresenta traços do vírus, impressionando pesquisadores e oferecendo perspectivas promissoras sobre como a terapia genética pode levar à cura da doença.

“A arte como expressão sexual permite ao artista criar prazer para o contemplador, que interpreta a obra de maneira similar aos gestos, palavras e ações de seu parceiro”, avalia Brown, reforçando que arte e sexo devem ser expressões livres de sentimentos.

A exposição

Composta por instalações, obras tridimensionais, colagens, moda, audiovisuais e séries de fotografias, a mostra apresenta convidados especiais, como a médica e artista visual Fabiana Gabaskallás, que há mais de 20 anos trabalha com pacientes convivendo com HIV/aids e estuda fotografia e artes visuais. Este binômio permeou, naturalmente, a base para um corpo de trabalho, que inclui a transcrição de formas orgânicas e considerações sobre interação ciências-artes.

A médica e artista visual Fabiana Gabaskallás e Lucrécia Couso, curadora da exposição

Também compõe o acervo da exposição a O.X.E.S Friends, uma série de fotografias em parceria com o jornalista e fotógrafo norte-americano Sean Black, que registrou filantropos e celebridades comprometidas com o tema, usando uma peça de arte ícone da Adriana Bertini, a Bow Tie. Além de Tim Brown, abraçaram a causa nomes como Dr. Michael Gottlieb, físico e médico imunologista que descobriu o vírus HIV em 1981, Janson Stuart, Sheryl Lee Ralph, Kelly Gluckman, Thomas Davis, entre outros artistas.

“É uma honra fazer parte desse esforço internacional para educar e desencadear diálogos sobre saúde sexual, autocuidado e cuidado dos outros. O retrato é uma colaboração sagrada de pessoas que desejam usar sua existência e notoriedade para projetar um mundo mais gentil, saudável e feliz. A gravata feita com camisinhas é a forma artística de ‘vestir’ a humanidade para instigar o diálogo e a educação”, declara Sean Black.

Além da exposição, que tem apoio do Unaids, Instituto Cultural Barong, Fundo Posithivo e Impulse São Paulo, estão previstos encontros abertos ao público com a presença de artistas, médicos, jornalistas, educadores e formadores de opinião, que discutirão o tema com o público.

Informações

O.X.E.S – Artivismo em Exposição

Data: 17 de abril a 29 de junho

Horário: das 10h às 18h, segunda a sexta; das 11h às 14h, aos sábados

Local: espaço opHicina

Endereço: Rua Teodoro Sampaio, 1.109 – Pinheiros – São Paulo – SP

Entrada Franca

 

Dica de entrevista

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