“Quem não se cuidou, problema dele”. “Se pegar a doença é problema dele”. “Tem que atender aquelas pessoas que em um caso de infortúnio contraíram alguma doença. Não o pessoal que vive aí, tomando pico na veia, que vive na vida mundana, depois querer cobrar do poder público um tratamento que é caro, nesta área?”. “A pessoa que foi culpada por pegar, ela que se vire, diz a repórter e o deputado responde, “concordo contigo”. Imediatamente a repórter explica “eu não  acho isso, estou reproduzindo o que o senhor falou”. “ Se não se cuidou, é problema dele”, insiste o parlamentar. Este diálogo entre o hoje candidato Jair Bolsonaro e a repórter Mônica Iozzi foi ao ar em 2010. A entrevista foi gravada no Congresso Nacional, em Brasilia, e exibida no programa CQC, na Rede Bandeirantes de Televisão.

Alguns políticos foram entrevistados pelo programa CQC (Custe o que Custar). Na ocasião, em novembro de 2010, o Papa Bento XVI ampliou a autorização do uso do preservativo para a prevenção do HIV. O CQC repercutiu a pauta e entrevistou diversas personalidades, entre elas, o deputado em questão.

A reportagem da Agência Aids tentou, durante uma semana, desde quarta-feira (26/9), contato com a assessoria de imprensa do candidato para saber se ele confirmava a posição ou se havia mudado de ideia e estudado para conhecer mais sobre o tema. Em vão. Enviamos três e-mails, whatsapp, insistimos em ligações telefônicas, seis ligações. Nesta quarta-feira, 03/10/2018, em contato com a assessora Fátima, fomos informados que ela não havia conseguido levar nossa questão ao candidato. Segundo suas informações, dois assessores têm acesso direto a ele. Explicou, também, que existem 204 e-mails com demandas jornalísticas. Também disse que o e-mail encaminhado pela Agência Aids, está entre prioridades mas que “não poderia garantir que a questão de vocês será respondida”. Com isso, não temos como saber qual a ideia atual que o candidato tem em relação as pessoas que vivem com HIV/aids no Brasil. Fizemos pesquisas. Não conseguimos descobrir se o parlamentar-candidato mudou sua opinião. Prevalece, por enquanto, a declaração dada ao CQC.

Quando ele diz que “quem não se cuidou, é problema dele” e que o atendimento de saúde feito pelo SUS, constitucionalmente promulgado em 1988 que garante atendimento público, universal e gratuito a todas as pessoas. Pelo que entendemos, ele acredita que quem se infectou com o HIV não deve receber medicação ou mesmo a atenção que recebe do governo.

Todas as pessoas, por mais rudes e desinformadas que sejam em relação a qualquer assunto, tem o direito de pensar e falar o que quiser. Faz parte do jogo democrático o falar, ouvir, falar novamente, etc.

Mas quando essa pessoa pleiteia um cargo como o de Presidente da República, em um país que distribui gratuitamente os antirretrovirais desde 1996, que atualmente atende 498 mil pessoas que fazem uso da medicação, precisamos ter atenção no que poderá vir pela frente.

Esta Agência foi concebida e construída para apoiar as pessoas que vivem com HIV/aids, facilitar o fluxo de informações entre todos os atores envolvidos na questão, as políticas públicas de saúde como um todo e particularmente as que dizem respeito direta e indiretamente às pessoas que vivem com HIV e aids, no Brasil e fora dele.

Por isso, nos preocupou a declaração do candidato e a falta de resposta por parte de sua equipe de comunicação em relação a nossa insistente atitude de ouvi-lo. Quem sabe, neste tempo todo, ele tenha tido condições de pensar diferente. Aprender sobre o tema. Humanizar-se frente às pessoas que contraíram uma doença que atinge 36,9 milhões em todo o planeta, segundo dados do Unaids, Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids. Falamos de uma doença que já causou 35,4 milhões de mortes, desde o registro do primeiro caso, que ainda tem força para atingir  1,8 milhão de novas infecções por ano.

Recentemente a conceituadíssima “The Economist” estampou em manchete a foto do candidato e afirmou que ele é uma ameaça não só para o Brasil, mas para toda a América Latina.  “The Economist” faz uma análise do momento atual brasileiro. Compara o candidato Jair Bolsonaro ao presidente americano Donald Trump, e afirma que “se a vitória for para Bolsonaro, um populista de direita, o Brasil corre o risco de tornar tudo pior”. Em sua análise, a revista britânica comenta que “a economia está um desastre, as finanças públicas estão sob pressão e a política está completamente podre”.

Quero propor com este artigo uma reflexão a todas as pessoas que vivem com HIV e  aids no Brasil e as que são lucidamente e ludicamente solidárias. Propor uma reflexão as famílias que perderam pessoas para a doença. Propor uma reflexão as famílias que tem pessoas vivendo com o HIV. Nós temos muitos desafios quando falamos sobre HIV e aids em nosso país e em todo o mundo. Mas o que foi feito até agora por aqui, distribuição gratuita de remédios, de insumos de prevenção,  implantação da PEP (profilaxia pós exposição), da PREP (profilaxia pre exposição), implantação da política de redução de danos, distribuição de vacinas, cuidados no pré natal para redução da transmissão vertical (da mãe para o filho), são ações que devem ser mantidas, atualizadas e ampliadas.

Será que os ganhos e avanços em nossa política de combate à aids, não estarão em risco se o candidato Jair Bolsonaro, paulista, nascido a 21 de março de 1955; deputado federal desde 1991, em seu sétimo mandato, eleito pelo Partido Progressista que esteve no Exército Brasileiro de 1971 a 1988, candidato mais votado do Estado do Rio de Janeiro para a Câmara dos Deputados, com 464 mil votos, for alçado ao cargo de representação de poder mais importante do Brasil? Pelas declarações que deu ao CQC, pelo descaso que trata questões ligadas aos Direitos Humanos, às mulheres. Pelo desrespeito muitas vezes verbalizado e registrado contra as populações LGBTs e negras, a saúde, a cidadania a história de construção democrática do Brasil poderá ser comprometida.

Por isso, essa Agência vem dizer publicamente que repudia, discorda, abomina, as considerações feitas pelo candidato em relação à questão do HIV e da aids. Pelo que disse em relação ao tema que nos une a todos e todas, será que as conquistas que o Brasil construiu em parceria com a sociedade civil, com médicos, especialistas, gestores públicos, universidades, não poderão estar ameaçadas?

A distribuição gratuita e universal dos antirretrovirais que combatem o HIV estará ameaçada? A distribuição gratuita de insumos de prevenção estará ameaçada? Assim como a PEP, PREP e todas as conquistas e avanços consolidados no enfrentamento da infecção em nosso país estarão ameaçadas? A democracia brasileira estará ameaçada? A saúde de todos nós brasileiros e brasileiras estará ameaçada?

“O Brasil que nós queremos” é um país com mais oportunidades, mais respeito, mais solidariedade, cidadania   amor e felicidade! “O Brasil que nós queremos” é um país que respeita, acolhe e cria condições de saúde e prosperidade para mulheres, homens, crianças, adolescentes, pessoas trans, gays, lésbicas, heterossexuais, e pessoas que corajosamente vivem com HIV e aids e que já estão fartas, cansadas de tanto preconceito, ignorância, descaso e desinformação! Nossa causa não tem partido político. Nossa causa exige e merece sempre respeito, acolhimento, informação, verbas para a continuidade de todas as políticas públicas até aqui conquistadas e principalmente amor que é o que transforma o mundo para o bem, para o crescimento e para a luz!