Depois de 16 anos, São Paulo recebe pela quarta vez o Encontro Nacional de ONGs, Redes e Movimentos de Luta contra Aids (Enong). E não é por acaso. A decisão, segundo informou Rodrigo Pinheiro, presidente do Foaesp (Fórum de ONGs/Aids do Estado de São Paulo), se deu pelo momento instável da política brasileira. O desmonte do SUS (Sistema Único de Saúde), a falta de financiamento e o sucateamento dos serviços especializados em IST/aids estão tirando o sono de centenas de ativistas que lutam em defesa das pessoas vivendo com HIV/aids no Brasil. Eles estão preocupados com o “subfinanciamento” do sistema, que vem colocando em xeque todo o modelo de saúde pública conhecido até então.

Na abertura oficial do evento, que chegou a 20º edição, Rodrigo pediu ao movimento social que voltasse para as ruas para cobrar mais empenho governamental na política de aids. “A precarização do sistema de saúde é assustadora. Temos que ocupar as ruas e mostrar a nossa força. Minha sugestão é para que tenhamos um dia nacional de luta, envolvendo todos os estados, visando pressionar os governos e garantir direitos já alcançados”, disse. Coube a ele dar as boas-vindas aos cerca de 160 participantes, vindos de todo o Brasil.

O militante acredita que é preciso se aprofundar em questões que envolvem os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. “A saúde sozinha não vai dar contar da aids. Temos que insistir na intersetorialidade e entender que o combate à fome e o acesso à educação também é nossa pauta. A manutenção e qualificação dos serviços especializados é essencial para garantir o tratamento e a qualidade de vida de todos os que vivem com HIV/aids.”

Da comissão política do Enong e da ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids), o professor Veriano Terto, também se mostrou muito preocupado com o atual momento político. “Pelo andar da carruagem, talvez este seja o nosso último Enong.  Essa edição aconteceu graças ao apoio e compromisso do Estado de São Paulo, que garantiu uma estrutura mínima para a realização do evento”, disse Verianos, acrescentando que “é preciso transformar este Enong num marco de resistência e mudança, vencendo com solidariedade, união e participação.  O momento é de resistência e a nossa luta continua sendo pautada na solidariedade, no diálogo.”

Para Veriano, é inadmissível ter 12 mil morte por ano em decorrência da aids. “A aids é uma doença, mas é também uma crise social, política e econômica. Mais de 90 mil pessoas abandonam o tratamento ao ano. São pacientes que estavam indetectáveis para o HIV.”

Na mesma linha, a coordenadora-adjunta do Programa Estadual de DST/Aids, Maria Clara Gianna, acrescentou que o desmonte do SUS reflete nos direitos humanos. “Queremos uma saúde pública de qualidade, então, pedimos a todos para que defendam o SUS. Este momento é muito importante para a resposta brasileira ao HIV/aids e a militância é peça chave. Temos que continuar resistindo, insistindo e avançando nas questões intersetoriais e enfrentar o movimento conservador que vivemos no País.”

Clara concordou com Rodrigo sobre a importância de fortalecer os serviços especializados. “Temos que olhar o SUS em suas diferentes dimensões, já temos boas respostas, mas não podemos nos esquecer de que há problemas. Faltam recursos humanos, muitos profissionais de saúde estão se aposentando. Precisamos de serviços fortalecidos.”

Marcos Blumenfeld, do Programa Municipal de DST/Aids de São Paulo, também esteve na abertura e parabenizou a organização. Ele falou sobre a importância da sociedade civil na luta contra a aids. “Os nossos serviços em São Paulo atuam em parceria com o movimento social. É claro que ainda precisamos avançar, mas não podemos deixar de dizer que as pessoas que atuam contra a aids representam um dos pilares mais importantes nesta luta.”

Do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e IST, Gil Casimiro reconheceu que o financiamento é um dos desafios nesta luta. “Sem financiamento não há políticas públicas. Sabemos que é necessário investir nos serviços, há muitas pessoas se aposentando. Por outro lado, há o repasse da política de incentivo para os Estados. Infelizmente nem sempre é aplicado em ações de vigilância e IST/aids, por isso, se faz cada vez mais necessário o controle social na base”, disse.

Gil acrescentou ainda que há metas no governo. “Temos como prioridades e metas para os próximos anos a diminuição da mortalidade de pessoas vivendo com HIV/aids. Mas não basta estar no papel, sabemos que só teremos bons resultados quando as pessoas diagnosticadas estiverem vinculadas e retidas nos serviços de saúde. Há pacientes que espera 100 dias entre o diagnóstico e a primeira consulta.”

O tema escolhido para o Enong 2019 foi ‘Vamos a luta, nenhum direito a menos’. Ao logo de quatro dias os participantes vão debater política de financiamento, prevenção, assistência, controle social, o cenário sócio-político e o futuro.

A noite terminou com a exibição do documentário “Carta Para Além dos Muros”, de André Canto, e o tradicional jantar de boas-vindas as delegações.

Talita Martins (talita@agenciaaids.com.br)

Dica de entrevista

Comissão Organizadora

Site: http://www.forumaidssp.org.br/enong/