A Agência Aids segue trazendo a opinião de profissionais que trabalham a favor dos direitos humanos e contra o crescimento do HIV sobre a votação. Nesta quarta-feira (20), o STF (Supremo Tribunal Federal) vai retomar o julgamento sobre criminalização da homofobia e da transfobia. São duas ações. Uma do partido PPS e outra da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transexuais. Os autores afirmam que o Congresso Nacional tem sido omisso ao não criminalizar as violências física e verbal praticadas contra a população LGBTQI.

Na quinta-feira passada (14), o ministro Celso de Mello, que é relator de uma das ações, começou a ler o voto, que está dividido em 18 partes. Ele defendeu a proteção às minorias, mas disse que tipificar novos crimes cabe ao parlamento e não ao Supremo Tribunal Federal.

Ainda no voto, o relator sugeriu ao plenário recusar o pedido de indenização para as vítimas de homofobia e transfobia.

Celso de Mello deve concluir o voto nesta quarta-feira (20). Em seguida, será lido o voto do ministro Edson Fachin, relator da outra ação. Depois Fachin vota na primeira ação e, então, Celso de Mello vota na segunda ação. Na sequência, os demais ministros do Supremo apresentam seus votos.

Confira a seguir o posicionamento de ativistas e defensores dos direitos humanos sobre a criminalização da homofobia:

Mário Scheffer, Professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo: “É grande nossa expectativa. Esperamos que o excelente voto, ainda parcial, do ministro Celso de Mello, pela criminalização, possa inspirar outros ministros e inibir pedido de vistas. Que não se reproduza o julgamento em 2017 da inconstitucionalidade da proibição imposta pelo Ministério da Saúde de doação de sangue por homossexuais, quando vistas pedidas pelo Ministro Gilmar Mendes adiou indefinidamente a decisão. O que está em votação é criminalizar o ódio irracional, a intolerância contra LGBTs; e reparar, com mais de 20 anos de atraso, a omissão do Legislativo que desrespeita a Constituição. A criminalização, se ocorrer, terá repercussões positivas na saúde pública, pois a homofobia é uma grande barreira para avançarmos na luta contra a aids. Desde a invenção da “peste gay”, no início da epidemia, até censuras de campanhas e materiais de prevenção em governos recentes, o que está por trás é a homofobia, que não é cometida somente por indivíduos, mas por políticos, religiões e até pelo próprio Ministério da Saúde. Acumulamos evidências cientificas de que o avanço da aids está, entre outros fatores, ligado à homofobia. Pessoas submetidas a violências, violações dos direitos e discriminação têm imensas barreiras para acessar medidas de prevenção, não chegam ou não são acolhidas em serviços de saúde, não conseguem ter o diagnóstico nem iniciar ou seguir o tratamento. Para esses cidadãos e cidadãs, em pleno século XXI, a homofobia e a aids são muitas vezes sentença de morte. Por tudo isso, a criminalização da homofobia pelo STF seria uma decisão histórica reparadora, mas também uma medida de saúde pública, humanitária e civilizatória.”

Carlos Henrique de Oliveira, da Rede São Paulo Positivo e do coletivo Loka de Efavirenz: “A criminalização da LGBTIfobia se tornou urgente devido à escala de violência que presenciamos nos últimos dois anos com relação à vida das LGBTI+ e, principalmente, com a eleição de um governo abertamente contrário às pautas de proteção à vida LGBTI+, sobretudo ao afirmar o tempo todo a sua cruzada contra a tal “ideologia de gênero”, que na prática, quer impedir o direito de se discutir sobre sexualidade e identidade de gênero na sociedade. A ADO que o STF está julgando para equiparar a LGBTIfobia ao racismo é uma medida emergencial, haja vista que o Projeto de Lei n. 7582/2014 de Maria do Rosário, mais completo e robusto em suas proposições de políticas públicas para prevenção da violência e de assistência à vítima, foi boicotado pelo próprio Congresso, extremamente conservador. Mas penso que precisamos discutir todo o modelo penal de nossa sociedade, pois o que temos hoje é um encarceramento em massa da população negra e pobre por crimes leves e médios enquanto que crimes de ódio ficam impunes. E mais do que isso: penso, como Ângela Davis, que é falido um sistema que só sabe dar como punição o cárcere, que pouco reeduca e pode inclusive piorar a percepção e ação de ódio do indivíduo agressor. Portanto, penso que defender a criminalização via STF seja emergencial, mas não pode ser considerada sem os recortes de classe, raça e gênero, e não dá pra nos limitarmos à criminalização sem criar um arcabouço institucional para a prevenção da violência.”

 

Alisson Barreto, secretário da Rede Nacional de Pessoas com HIV em São Paulo e diretor do GIV (Grupo de Incentivo à Vida): “Espero que o STF faça o que o Congresso Nacional não fez. Não podemos continuar como o país que mais mata LGBT no mundo. Neste momento, os movimentos de aids e LGBT precisam se unir para que essa aprovação aconteça. Não podemos permitir que o preconceito e a discriminação tenham a liberdade de expressão como justificativa. Não podemos ter dois pesos e duas medidas. No Brasil, o racismo é crime, mas a homofobia não; os direitos das pessoas com deficiência, das crianças e da pessoa idosa, por exemplo, são respeitados, mas os direitos da população LGBT não são. Assim como as leis são para todos, os direitos humanos também são para todos os seres humanos.”

 

Senadora Mara Gabrilli (PSDB), via Twitter: “A ação direta de inconstitucionalidade por omissão #ADO26 volta a ser discutida essa semana no STF. Sempre que o Estado entende uma opressão como intolerável, ele a criminaliza, por isso, já passou da hora de criminalizar a homofobia e a transfobia no Brasil. #criminalizaSTF”

 

Lena Trevisan, escritora: “Não à homofobia. Sim à criminalização. Porque não há outra resposta possível.”

 

 

 

 

Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Vivendo e Convivendo com HIV/Aids: “Assim como confirmou o boletim epidemiológico, divulgado pelo Ministério da Saúde em 2018, e várias pesquisas sobre incidência, sabemos que os LGBTQI+ são os mais vulneráveis às ISTs, principalmente ao HIV.  A homofobia presente nos serviços de saúde é um agravante a essa triste realidade. Além da falta de discussão de gênero e sexualidade na base nacional comum curricular. Acreditamos que a criminalização da homofobia é um passo importante, inclusive na batalha de três décadas contra o HIV.”

 

Moysés Toniolo, conselheiro nacional de saúde pela Articulação Nacional de Luta Contra a Aids: “Acho importante considerar que esta matéria diz respeito ao direito de igualdade que todos nós temos, enquanto cidadãos e cidadãs brasileiros, e se reflete sobre nossas condições de vida, nossa dignidade e relações humanas na sociedade, atingindo diretamente os indicadores de saúde física e psicossocial. Enquanto controle social do SUS rogamos para que o STF não feche os olhos para estes direitos e nem permita que a impunidade sobre tantas mortes e extermínio de pessoas LGBT continuem ocorrendo em nosso país. No Conselho Nacional de Saúde, estamos acompanhando e já nos manifestamos várias vezes sobre a necessidade de eliminação de toda forma de discriminação entre os seres humanos. Vamos ficar atentos e cobrar das autoridades do Judiciário, Executivo e Legislativo que advoguem em prol de ‘promover o bem de todos (as), sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação’, conforme o texto aqui transcrito de nossa constituição Federal.”

 

Vanessa Campos, representante estadual da RNP+ Amazonas e membro do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas: “Enquanto pessoas LGBTI+ tiverem suas existências ameaçadas impunemente pelo simples fato de existirem não haverá justiça social em nosso país. E muito menos a política de aids avançará em suas demandas. Invisibilizar essa população é dar aval à barbárie de suas mortes! Homofobia#ÉCrimeSim”

 

 

José Araújo Lima Filho, do Mopaids (Movimento Paulistano de Luta Contra a Aids): “O Supremo não teve temor de acabar com o vácuo legal quando votou sobre o uso de “célula tronco embrionária”, do conceito de família e outros temas que o legislativo não legislou.  Chegou o momento do STF ter a coragem de criminalizar a homofobia que faz do Brasil campeão em assassinato de LGBTI+. Se algum ministro pedir vista do processo, estará molhando suas mãos de sangue. Quero acreditar que o Supremo tenha um olhar humanista para um tema que o legislativo nega em legislar sob a batuta das igrejas e segmentos que teimam em aceitar que vivemos um assassinato em massa de uma população tão vulnerável.”

 

Marcos Vinicius, infectologista e idealizador do canal Dr. Maravilha: “Criminalizar a LGBTfobia é mais um passo importante no caminho da justiça social e do bem-estar de minorias (nem tão minorias assim), que já sofrem há muito, muito tempo. Como médico já presenciei preconceito e discriminação de LGBTs nos próprios serviços de saúde, algo que beira à desumanidade extrema. Precisamos garantir punição efetiva para situações assim, para que nossos sonhos e aspirações como cidadãos continuem, mais vidas não sejam ceifadas e possamos viver num mundo mais tolerante.”

 

 

João Nemi Neto, escritor e professor de português da Columbia University e ativista pelos direitos LGBT: “O Brasil é o país que mais mata LGBTIs no mundo. As populações de travesti e trans são as que mais morrem no Brasil. Esses crimes são de ódio, motivados pela identidade da pessoa assassinada. Homo/Trans/Lesbofobia é crime. Falta ao Brasil assumir isso e regulamentar tais delitos. Espero que os outros ministros sigam o voto do relator e que a homofobia seja criminalizada. Assim podemos ampliar a discussão e ainda que de maneira ínfima (porque infelizmente tais crimes não vão acabar do dia para a noite) melhorar a vida das populações LGBTIs mais vulneráveis. Que o resultado seja pela criminalização e que uma discussão séria sobre o tema aconteça em decorrência dos votos dos ministros.”

Ramon Nunes Mello, escritor, jornalista, ativista dos direitos LGBT – Eu penso que o STJ vai julgar a homofobia como crime de racismo. Está mais do que na hora de criminalizar a homotransfobia no país que mais mata LGBTs no mundo.

 

Tadeu di Pietro, ator – Criminalizar a homofobia é dar sinais civilizatórios a um país que agride e mata por ignorância e preconceito. Os Direitos Humanos são claros, quando determinam claramente o Direito de Ser dos indivíduos e de serem protegidos pelo estado e a sociedade. Nosso país vive dias obscurantistas e criminalizar a homofobia é mais um passo para reconquistarmos nossa humanidade e cidadania!!!

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