“Na prática estamos vendo que a mandala não tem sido trabalhada com igualdade em todas as partes”, defende a ativista Jô Menezes da ONG Gestos durante o 8º Encontro Nacional das Cidadãs Posithivas, em Fortaleza. “No centro da mandala, está a população prioritária que não inclui mulheres, a não ser as trabalhadoras sexuais e as transexuais. As mulheres cisgênero não estão contempladas. Essa leitura dos dados epidemiológicos não é uma maneira eficaz de pensar a epidemia.”

“A camisinha feminina, por exemplo, é uma ilustre desconhecida”, denuncia Jô ao afirmar que as ONGs não falam sobre o preservativo feminino. “Como vamos gostar se não conhecemos, se não vemos, se não sabemos como se usa.”

Outra política considerada desaparecida pelas ativistas é a de redução de danos. “A guerra não é contra as drogas, é contra o usuário. Como vamos falar de prevenção combinada se temos uma caça a quem fala drogas, de sexualidade, de gênero? Onde os jovens se sentem mais a vontade para falar sobre esses tema? Na escola, porque os postos de saúde não os acolhem”, afirma Kátia Souto, representante nacional sobre saúde do homem do Ministério da Saúde.

Nesse sentindo, ativistas e gestores defendem que é preciso priorizar a questão de sexualidade e dos direitos humanos na prevenção combinada. “A gente saiu do nada para um quase tudo. Mas um quase tudo muito direcionado ao medicamento. A prevenção centrada na medicalização. Um dos pilares da prevenção combinada é conquistar diálogo com as pessoas”, disse Marcos Paiva, da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza.

Para Marcos, a razão pela qual ainda é tão desafiador mudar comportamentos se deve à necessidade de revisão de leis, de políticas em defesa dos direitos humanos, do combate ao estigma e a discriminação.

“A mulher é o principal alvo da saúde enquanto mercadoria. A medicalização de nossos corpos. A cesária e a anticoncepção são grandes exemplo disso”, defende Kátia. Segundo ela, os desafios sociais vividos diariamente por mulheres, compões urgentes necessidades de transformações sociais. “Os números dos feminicídios crescem porque quanto mais as mulheres avançam, mais patriarcado reage”, completa Jô.

Humanização da sexualidade

Kátia Souto chama atenção para a necessidade um olhar mais humano no que diz respeito às questões sexuais. “Práticas sociais envolvem mãos que fazem, olhos que observam, peles que sentem, cérebros que raciocinam e sofrem. Se o acesso não tiver acolhimento e respeito, ele não é acesso. Não podemos subestimar nenhum gestor a formar os recursos humanos dentro dessa perspectiva. Do contrário, pessoas serão barradas pelo critério do preconceito” 

Para ela, é preciso repensar a linguagem com a qual os profissionais buscam atingir os jovens.  “Fala-se o tempo todo é prevenção de HIV/aids, de gravidez indesejada. Mas é preciso pensar no desejo, no prazer. A nossa construção social da concepção é heteronormativa. Essa construção coloca a sexualidade como se fosse apenas o ato sexual.”

Além disso, Kátia falou sobre a importância de pensar a forma com que se estipulou o papel de homens e mulheres na sociedade, inclusive com foco nas mulheres transexuais. “Precisamos ter a coragem e ousadia de acolher mulheres trans no nosso mundo feminino também.”

Nesse sentido, Kátia defende que o feminismo tem contribuído muito mais para fazer o homem refletir, do que ele mesmo e sua masculinidade. “Essa percepção do que é ser homem, construída socialmente, os deixa vulneráveis a muitas condições, inclusive ao HIV.”

Por fim, Jô e Kátia concluem que a sexualidade precisa ser abordada como condição humana de prazer. “A aids vai para além das questões de saúde. É por isso que não há política de saúde que dê conta. É preciso trazer a vida real para frente dos gestores. Não cabe ao estado tomar decisões sobre nossos corpos. Cabe a ele, garantir acesso às informações necessárias para que cada um possa decidir o que fazer com seu próprio corpo”. 

 

Jéssica Paula (jessica@agenciaaids.com.br)

* O Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas é um coletivo de mulheres brasileiras que vivem com HIV/aids. A Agência de Notícias da Aids cobre o 8º Encontro Nacional das Cidadãs Posithivas à convite do Departamento de IST, Aids e Hepatites Virais.