A Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids (RNP+ Brasil) abriu, na noite dessa quinta-feira (12), em São Paulo, seu 8º Encontro Nacional – “Do estigma à perda de direitos fundamentais: resistindo por nenhum direito a menos”. Preocupados com o rumo que a política está tomando no País, ativistas aproveitaram a mesa de abertura para denunciar retrocessos, como a invisibilidade da palavra aids no nome oficial do Departamento Nacional, e cobraram mais empenho da gestão pública. “Ainda não sabemos qual será o orçamento para aids em 2020. Vivemos um momento de marginalização dos movimentos sociais e das ONGs. Só não podemos esquecer que a aids continua sendo um problema de saúde pública”, disse Rodrigo Pinheiro, presidente do Fórum de ONGs/Aids do Estado de São Paulo, convidando os militantes a se fortalecer e voltar as ruas para denunciar o desmonte da política.

A representante do Movimento Nacional das Cidadãs Positivas, Credileuza Azevedo, aproveitou a oportunidade para cobrar do atual direito do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e IST, Dr. Gerson Pereira, explicações sobre a compra de preservativos vaginais, cuja matéria-prima é o látex. De acordo com a militante, este material pode provocar alergia e é inadequado para uso interno.

Da Rede Nacional de Pessoas Trans Vivendo com HIV/Aids, a advogada Maria Eduarda Aguiar, disse a atual política de aids é higienista. “Como falar de PrEP para a população trans se não temos acesso à profilaxia? Não sabemos se quer quais serão os efeitos desta medicação no corpo trans a partir do uso prolongado.” Ela considera ainda que “não existe promoção de saúde para a população trans quando o governo diz que todas as ações serão baseadas no sexo biológico.”

A assistente social Carla Diana, secretária política da Anaids (Articulação Nacional de Aids) também mandou o seu recado. “Vivemos uma relação de amor e ódio com o Departamento. Amor, porque ainda temos pessoas como o Dr. Gerson na gestão e ódio porque estamos acompanhando diariamente retrocessos e o desrespeito à vida”, disse. “Não sabemos se teremos outros encontros como este, por isso estamos clamando pela vida de jovens, idosos e mulheres que têm seus direitos ameaçados”, desabafou.

Para ela, é preciso resistir, construir e continuar lutando por resiliência. “Estamos todos no mesmo barco e vamos reafirmar cada vez mais nosso compromisso de lutar pela pauta aids e pela reconstrução do nosso país.”

O medo do retrocesso causou insegurança também no jovem Leonardo Moura, da Rede de Jovens com HIV. “Tenho medo de não conseguir acabar a faculdade, ter um emprego, ter acesso aos medicamentos. Ainda não sabemos o que nos espera no futuro, mas é fundamental dar continuidade a articulação entre redes e movimentos.”

Outro lado

Os representantes dos governos federal, estadual e municipal ouviram atentamente as observações dos ativistas e reafirmaram o compromisso na luta contra a aids. “O Departamento de Aids não está apenas de porta abertas, as portas estão escancaradas para o movimento social. Sabemos da importância da sociedade civil na resposta brasileira, vocês são nossos parceiros no enfrentamento do crescimento de novas infecções pelo HIV no Brasil”, disse Dr. Gerson Pereira.

O gestor garantiu que se sentiu bastante confortável em ter participado deste evento.  “Sou um técnico que atua há mais de 34 anos no Ministério da Saúde para melhorar a vida das pessoas. Em fevereiro, quando assumi o Departamento, estávamos enfrentando um problema seríssimo com a falta de preservativos e medicamentos para cura da hepatite C. Conseguimos resolver rapidamente e hoje temos remédios garantidos até 2020. Não há mais notícias de falta de medicamentos.”

Em resposta a Rodrigo Pinheiro, Dr Gerson esclareceu que o orçamento do ano passado era em torno de 1,8 bilhões de reais. “Este ano conseguimos um orçamento de 2,6 bilhões de reais. Mas é importante deixar claro que a junção do Departamento de Aids com outras doenças não significa juntar o orçamento. O investimento em tuberculose está em torno de 17 milhões de reais e hanseníase 7 milhões.”

O gestor garantiu que mesmo com as mudanças na pasta, a aids continua sendo prioridade no Ministério da Saúde. “Temos 44 mil novos casos de aids por ano no Brasil, 75 mil casos de tuberculose e 40 mil casos de hanseníase. Ou seja, há uma disparidade no orçamento. Por tanto, a aids é prioridade.”

Como relação a PrEP, Dr. Gerson reconheceu que está correta a afirmação de que as pessoas que mais necessitam não conhecem essa tecnologia. “É verdade, mas estamos trabalhando junto ao Unaids para mudar isso. Eles conseguem uma campanha com a TV Globo e também materiais informativos mais barato. Mas posso afirmar que a PrEP está garantida no SUS e já conseguimos comprar todo medicamento para este ano.”

O gestor adiantou ainda que o Ministério da Saúde já está trabalhando para melhorar a qualidade do preservativo ofertado no SUS. “Não teremos mais látex no SUS, vamos comprar camisinhas com textura. Se o preservativo é ruim, ninguém usa.”

Serviços regionais estruturados

A médica Maria Clara Gianna, coordenadora-adjunta do Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo, defendeu no evento a regionalização da atenção de qualidade. “Se a gente quer diminuir o número de óbitos e a taxa de abandono é preciso olhar para os nossos serviços. Precisamos ter um atendimento regional mais estruturado.”

Assim como Clara, Maria Cristina Abbate, coordenadora do Programa Municipal de DST/Aids de São Paulo, também reconheceu a importância da qualidade no atendimento às pessoas vivendo com HIV/aids. “Nós, da gestão, só existimos em razão de vocês, não é a toa que considero o movimento social a nossa principal escuta. Não há formação de políticas públicas sem escuta.”

A gestora observou que o governo precisa sempre atuar em duas frentes: antes do vírus, com foco e qualidade das ações de prevenção, e depois do HIV, pensando na qualidade de vida de quem vive com o vírus. “As pessoas precisam saber que tem PrEP e que as novas tecnologias existem e estão disponíveis no SUS.”

O desafio, segundo Cristina, é enfrentar as barreiras e reduzir efetivamente o estima e a discriminação. “Precisamos voltar a chamar as coisas pelo nome que elas são. Putas são putas, não adianta procurar um nome mais bonito. Sabemos que ainda não vencemos a batalha contra aids. Só a cidade de São Paulo matricula em média 10 mil novos pacientes ao ano e a maioria é jovem.”

O diretor interino do Unaids Brasil, Cleiton Euzébio, reconheceu a importância do movimento social e defendeu cada vez mais a participação das populações-chave na construção da resposta à aids. “É inegável que todas as conquistas contra a aids tiveram efetiva participação da sociedade civil.”

Pedido de desculpas

13 anos depois de acusar a jornalista Roseli Tardelli, diretora da Agência de Notícias da Aids, de usar a morte do irmão Sérgio para ganhar dinheiro com aids, Paulo Giacomini, da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids, aproveitou a mesa de abertura do Encontro para pedir desculpas e se retratar publicamente.

“Em 2006, fui para a Conferência de Toronto financiado por um laboratório. Quando voltei quase fui linchado por ativistas do Fórum de ONG/Aids. Na época, disse que Roseli Tardelli, só porque teve um irmão que morreu de aids, poderia ir ao evento financiada pelo Programa de Aids e pelo laboratório. Falei ainda que ela, que não vive com HIV, poderia ganhar dinheiro com aids e eu não. Considero a minha fala bastante inadequada e quero aproveitar este momento para me desculpar. Roseli foi minha professor de jornalismo e sempre me tratou com muito carinho.”

Roseli ouviu o pedido de desculpas e se retirou da plenária.

Paulo, que é um dos responsáveis pelo encontro de São Paulo, aproveitou o momento para contar que está deixando a Secretaria Nacional da RNP+Brasil e, depois de 25 anos de ativismo, vai se dedicar a projetos pessoais. Ele também homenageou e dedicou o 8º Encontro Nacional aos ativistas Josimar Costa, Fátima Machado e José Araújo que morreram recentemente em decorrência da aids.

O encontro segue até domingo (15), com a participação de mais de 100 lideranças vivendo com HIV e aids vinculadas à RNP+ em todo o Brasil.

Talita Martins (talita@agenciaaids.com.br)

Dica de entrevista

RNP+Brasil

E-mail: comunica@rnpvha.org.br