“Você já viu os sintomas de algumas infecções sexualmente transmissíveis?” É com essa pergunta que inicia uma nova campanha do Ministério da Saúde para estimular o uso de camisinha. A estratégia foi lançada na tarde desta quinta-feira (31). Focada em jovens de 15 a 29 anos, a estratégia aposta na reação de jovens ao pesquisar imagens na internet de infecções como sífilis, gonorreia e clamídia. Em vídeo, o grupo reage com expressões de medo, nojo e repulsa. “Se ver já é desagradável, imagine pegar. Sem camisinha, você assume esse risco. Use camisinha e se proteja dessa e de outras infecções sexualmente transmissíveis”, finaliza um narrador no vídeo.

Ativistas ouvidos pela Agência Aids criticaram a abordagem. Na opinião da jovem Rafaela Queiroz, a prevenção pelo medo é falida e ultrapassada. Para o escritor Salvador Côrrea, “estimular o conhecimento e a informação não pode ser sinônimo de educar pelo medo. Em função do medo e do terror temos quatro décadas de estigma e discriminação que afastam as pessoas do cuidado e da prevenção.” Essa também é a opinião do ativista Beto de Jesus: “Mostrar os sintomas de uma IST é o mesmo que educar pelo medo, e sabemos que isso não funciona. Isso já foi feito no passado com o HIV/aids e foi desastroso. É uma abordagem desatualizada e em nada dialoga com o público entre 15 e 29 anos.”

Leia os depoimentos a seguir:

Rafaela Queiroz, membro do Movimento das Cidadãs Posithivas: “A campanha é interessante, mas essa abordagem de mostrar imagens já é antiga e a tal “prevenção pelo medo” falida e ultrapassada, no próprio vídeo tem uma pessoa que fala que viu na aula de biologia e é mesmo onde temos contato raso com as imagens/IST, mas será mesmo que vê ajuda a saber os meios de se prevenir e mais que isso usar o preservativo? Porque a gente vê que em anos não é isso que vem acontecendo, em algumas escolas, o antigo SPE (Saúde Prevenção nas Escolas) onde eu atuei de 2011 à 2013, os jovens já tinham visto e mesmo assim não usavam o preservativo, e eu posso afirmar que a maioria das falas e demonstrações desse não uso vai de não saber colocar, não saber que existe diferença de látex pra borracha nitrílica, não saber que pode pegar sem o responsável….A caras e bocas que os “atores” fazem não vão estimular os jovens a buscarem as IST no Google, não gera curiosidade gera nojo, medo, incômodo, fora que muitas vezes eles nem sabem que algumas IST são silenciosas, e só aparecem verrugas, feridas ou corrimento depois de um tempo da infecção, se eles não veem a infecção eles não acham que estão com alguma IST… é preciso estimular o autocuidado, a ida ao posto de saúde para check-up, a realização de testagens, diálogo e mostra prática de como utilizar os preservativos e as outras opções de redução de danos da “mandala de prevenção”. E para finalizar é triste que mais uma vez eu tenha que apontar a falta de mostrar os preservativos internos (comumente chamados de “camisinha feminina”), até quando o MS vai invisibilizar esse insumo?”

Salvador Campos Corrêa, escritor, ativista e coordenador de treinamento e capacitação da ABIA:  “É importante falar abertamente sobre as IST e ampliar o acesso às informações. A sociedade civil tem produzido materiais no decorrer dos anos sobre o tema, como é o caso da cartilha Tudo Dentro da ABIA. Embora seja importante o lançamento de campanhas com foco na prevenção das IST, a forma escolhida pelo Ministério da Saúde é um caminho criativo para propagação do terror e do pânico moral. A campanha aponta algo grave: a desinformação sobre as IST. No entanto, estimular o conhecimento e a informação não pode ser sinônimo de educar pelo medo. Em função do medo e do terror temos quatro décadas de estigma e discriminação que afastam as pessoas do cuidado e da prevenção – na medida em que ampliam os julgamentos contra pessoas com IST e HIV. Que venham campanhas mais positivas e solidárias. Que em dezembro tenhamos uma campanha mais positiva alusiva ao dia mundial de luta contra a aids. Por uma era sem pânico moral!

Américo Nunes Neto, coordenador do Mopaids (Movimento Paulistano de Luta Contra Aids): “É muito importante alertar para a prática do uso da camisinha. A campanha é propositiva e específica, instigando a curiosidade sobre as ISTs. Provoca também falar sobre este insumo que por muitos jovens e adultos são ignorados. Apenas a frase “use” poderia ser colocada de outra forma, não sendo impositiva. Talvez algo como “a escolha é sua.”

 

 

Beto de Jesus, diretor da AHF (Aids Healthcare Foundation): “Acho extremamente importante uma campanha do Ministério da Saúde dirigida as ISTs e ao uso do preservativo para combatê-las, mas discordo do approach utilizado. Mostrar os sintomas de uma IST é o mesmo que educar pelo medo, e sabemos que isso não funciona. Isso já foi feito no passado com o HIV/aids e foi desastroso. É uma abordagem desatualizada e em nada dialoga com o público entre 15 e 29 anos. Mostrar um corpo acidentado não educa para que se corra menos acidentes ao dirigir. Os processos educacionais devem permear naturalmente nosso aprendizado, falar das sexualidades e dos cuidados deveria ser algo natural nos currículos escolares… se assim o fizéssemos não precisaríamos de campanhas como essas que enfatizam as consequências e não o conhecimento de prevenção. Campanhas que usam o medo como meio acentuam invariavelmente o estigma e o preconceito às pessoas com as ISTs pesquisadas no vídeo. Confesso que revivi o passado, quando era impresso fotografias de ulcerações e corrimentos em materiais de prevenção, devemos aprender como que não dá certo e buscar o novo.”

Pisci-Bruja, do Coletivo Loka de Efavirenz: “A nova campanha do Ministério da Saúde para “incentivo” ao uso do preservativo, eu diria: horrorosa. Talvez o único ganho foi terem abordado outras IST para além da AiD$ e da Sífilis, e também de trazerem muitas mulheres, negras inclusive. Estes aspectos foram sim positivos, e são bastante necessários. Contudo, já faz décadas que estamos tentando sair da lógica do medo e do pânico para tentar um trato mais efetivo para lidarmos com as IST, mas parece que o Ministério da Saúde não aprende… Falta diálogo com o movimento social. Mas faltam mais coisas ainda. Gostaria muito de ver uma campanha do Ministério da Saúde falando sobre a ampliação dos serviços de saúde via SUS, e ampliação também do acesso às tecnologias de prevenção, que são muitas e para muito além da camisinha (externa). Aliás, onde estão as camisinhas internas mesmo? Assustar as pessoas com imagens horrorosas do Google e dizer que “sem a camisinha você assume o ‘risco’ de pegar” é fácil. Difícil mesmo é manter um diálogo construído coletivamente com quem produz conhecimento há décadas sobre isso. Difícil mesmo é parar de sequestrar o dinheiro e as infraestruturas públicas para ampliar os acessos e colocar a responsabilidade pelo crescimento vertiginoso das IST nas instituições precárias, nas estruturas. E ainda mais complicado pra esta gestão é abrir postinho na periferia, e não só UPP…; é não deixar faltar preservativo interno e externo pra quem não pode pagar por eles; é considerar o que as mulheres cis e os homens trans estão dizendo sobre a necessidade da troca do preservativo de látex por borracha nítrica. O Ministério da Saúde sob o governo Bolsonaro deve achar difícil inclusive, e pra não dizer desnecessário, investir na abertura de centros especializados nos interiores, no nordeste, no norte, e que não sejam em cima de necrotérios… E pra terminar, já passou da hora de abandonarem o discurso bélico da epidemiologia, e pensar um trato mais ético com as pessoas. Risco mesmo, e de vida, a gente corre com o avanço do neoliberalismo, com o desmanche do SUS e com a responsabilização individual da prevenção.”

Vanessa Campos, Secretaria Nacional de Informação e Comunicação da RNP+BRASIL: “É um total exemplo do retrocesso que este governo traz em todos os sentidos. Se pensarmos no quanto o terror da aids fez com que estigma, preconceito e discriminação matassem e ainda matam mais que a própria aids, concluímos que o discurso da prevenção centrado no medo e no uso de preservativo falhou e não seria agora que iria surtir efeito. Será mesmo que nós, pessoas vivendo com HIV/aids, precisamos voltar a ser corpos que geram repulsa e motivo de pânico para a sociedade? Será que nestas quase 4 décadas de epidemia, depois de tantas lutas por direitos, respeito, inclusão social e solidariedade, vamos voltar a ser o terror ambulante que ninguém quer ter por perto, e se relacionar então nem pensar? A pedagogia do medo só gera afastamento do serviço de saúde, da testagem, das várias estratégias de prevenção combinada e segregação das pessoas vivendo com HIV/aids. Mas tudo que esse governo quer é ditar a forma como as pessoas devem exercer sua sexualidade, como se fossem robôs programados e que devem cumprir exatamente o que foi determinado! A abordagem do uso do preservativo é tão pobre que limita-se a dizer use preservativo, sem nem ao menos abrir a embalagem e mostrar como deve ser corretamente colocado. E cadê o gel lubrificante que tão sabidamente diminui a probabilidade do preservativo romper? Falar de preservativo interno (vulgo preservativo feminino) pra que né? Aos olhos desse governo a saúde e autonomia da mulher e de homens trans não são prioridade. Campanhas educativas estimulando os jovens a conhecerem a Mandala da Prevenção Combinada mostrando seus rostos agradavelmente surpresos com tantas maneiras de combinar a prevenção às IST/HIV/aids, e fazendo-os entender que podem escolher suas formas de prevenção conforme suas práticas sexuais e em cada momento de suas vidas, não seriam muito mais atraentes e eficazes? Mas como poderiam estimular os jovens a pesquisarem a Mandala da Prevenção Combinada na internet se este mesmo governo fechou as mídias sociais do extinto Departamento de IST/Aids e Hepatites Virais?! Como estimular o uso do preservativo se o atual presidente arrancou da Caderneta de Saúde do Adolescente justamente as páginas que ensinam como colocá-lo? Retrocesso total é a definição desta campanha!

CH de Oliveira, Rede de Jovens São Paulo Positivo – Mais uma vez o Ministério da Saúde apresenta uma campanha de prevenção enlatada, focada no discurso de terror e do medo, que incentiva a culpa, e aborda o “risco” de pegar o HIV de uma forma que estigmatiza e culpabiliza as Pessoas Vivendo com HIV/Aids. O discurso ainda é belicista, apesar de tentarem dar algum aceno à representatividade ao colocarem mulheres negras na campanha, mas não dão notícias das camisinhas internas, que eles queriam colocar na praça com confecção de látex, o que inviabilizaria o uso (pra quem não sabe o látex não serve para ser usado internamente na vagina ou no ânus). A campanha também tem um tom neoliberal, e que foca muito na escolha do indivíduo, sem considerar aspectos estruturais e muito menos o aumento de recursos e serviços do SUS. Para resumir: ficou péssimo, grotesco, malfeito.

 

 

Redação da Agência de Notícias da Aids

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