Estatísticas traduzem fielmente a realidade quando apreciadas de maneira dinâmica, e não como uma fotografia inerte na parede. Semanas atrás, setores da saúde pública no Brasil, entre hospitais, universidades, médicos, pesquisadores, ONGs e agentes comunitários estavam de olho na divulgação de um aguardado boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, bem ao fim do mandato do ex-presidente Michel Temer (MDB). O interesse justificava-se no título do documento: “HIV Aids 2018”. Como de costume, técnicos da Secretaria de Vigilância em Saúde do ministério vieram a público para revelar as mais recentes estatísticas de uma epidemia que alcança em torno de 40 mil pessoas por ano no país.

Em 2017, segundo o boletim, foram registrados 42.420 novos casos de HIV; 37.791 casos diagnosticados de aids e 11.463 mortes pela doença, num universo em que a subnotificação ainda se mantém alta. Afinal, quantas são as pessoas que não sabem estar infectadas ou que, mesmo sabendo, não fazem parte das estatísticas de saúde? Por que o tempo médio entre conhecer o diagnóstico e buscar tratamento tem sido algo próximo a 1 ano no Brasil?

Minutos após a divulgação do documento em Brasília, comemora-se: cai a mortalidade da aids no país! De fato, em 20 anos de aferição, as taxas de mortalidade baixaram 16,5%. Boa notícia. Mas cabe também esta pergunta: era de se esperar o contrário, considerando a eficiência das drogas e profilaxias às quais os brasileiros têm acesso pelo SUS? Certamente, não.

“Só que é a primeira vez, em duas décadas, que se vê uma queda tão expressiva”, diz a médica sanitarista Adele Schwartz Benzaken, até então diretora de uma divisão de nome muito longo, o Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle de Infecções Sexualmente Transmissíveis, HIV/Aids e Hepatites Virais, do Ministério da Saúde.

“A última vez que tivemos uma queda forte foi nos anos 1990, quando o Brasil adotou a terapia tríplice, também conhecida como coquetel. Ali houve uma redução da mortalidade em torno de 38%. Depois, as quedas voltaram a ser menos expressivas.”

Entre os bons números do boletim – como os da redução em 43% da transmissão vertical do HIV (gestante-bebê) nos últimos dez anos – podem-se encontrar estatísticas que alimentam a preocupação de muitos estudiosos. Isso ocorre quando se comparam os níveis de detecção de casos de aids por faixa etária, nos anos 2007 e 2017: nota-se o alastramento da epidemia entre jovens do sexo masculino, hoje. Na faixa de 15 a 24 anos, a detecção dobra. O que estaria ocorrendo com a geração que inicia a vida sexual nesse momento, menosprezando um vírus que, só no ano passado, pode estar relacionado a 1 milhão de mortes pelo mundo e para o qual não se tem, após 35 anos de tentativas, uma vacina eficaz?

Adele Benzaken seguiu contornando os números, em entrevista ao Valor: “Novas infecções crescem entre jovens homens que fazem sexo com homens. Por outro lado, decrescem entre mulheres de quase todas as faixas etárias”. Pelo que se depreende do estudo, explica a médica, a epidemia brasileira parece apontar para nichos definidos, alguns mais significativos quantitativamente que outros – homens gays, pessoas trans, pessoas que atuam na prostituição, usuários de álcool e outras drogas, pessoas privadas de liberdade. A médica afirma que o preservativo tem sido deixado de lado cada vez mais. “Explicar por que isso ocorre não é tão simples. Só em 2017, o Ministério da Saúde distribuiu gratuitamente 750 milhões de preservativos.”

No início dos anos 80, quando o mundo ainda não ouvira falar de um vírus misterioso que chegava a matar em questão de meses, jovens também eram jovens, interessados em sexo e drogas. Não se protegiam porque simplesmente desconheciam a ameaça. E se infectaram à larga. Pois a juventude de hoje, cujos pais já viveram sob o alerta permanente da aids, está se infectando na mesma, ou até em maior, velocidade do que a geração dos desavisados.

“Temos sinais claros do recrudescimento da epidemia em nosso país, o que é preocupante. Em situação de alta incidência, aumentam as chances de transmissão, já que mais pessoas transam sem proteção, repassando o vírus na fase inicial da contaminação. Cria-se uma situação propícia para a intensificação da epidemia”, afirma o cientista social Alexandre Grangeiro, especialista em saúde pública que há décadas pesquisa a evolução da aids no Brasil.

Como também ocorreu no passado, hoje vive-se uma (outra) revolução sexual que vem moldando comportamentos entre adolescentes, jovens e adultos jovens, num campo de afirmação pessoal no qual convivem distintas identidades de gênero. Essa revolução perpassa toda a sociedade brasileira, ao mesmo tempo em que ações preventivas para conter a contaminação por HIV perdem espaço. E mais: cresce uma espécie de grande interdição moral em torno do debate sobre temas ligados à sexualidade humana. “O resultado disso é que estamos formando uma geração totalmente incompetente para lidar com o HIV”, diz Grangeiro.

Não tem sido fácil explicar essa interdição. Segundo visões mais restritivas, sejam elas guiadas por crenças religiosas, heranças culturais ou interesses políticos, só existem duas representações possíveis de gênero – masculino e feminino. Supor algo além disso seria alimentar a “ideologia de gênero”, expressão muito em voga nos dias atuais.

Essa ideologia abriria uma perigosa trilha da aceitação do outro tal como ele é, ou como venha a se definir, escapando, portanto, da dualidade masculino/feminino. Como a realidade sempre acaba superando modelos e interdições, tem sido inevitável cruzar um imenso campo de tensões quando se tenta entender por que, apesar de tantos avanços, a aids ainda é uma grave ameaça no Brasil.

Há quase 30 anos a USP abriga uma entidade reconhecida nacional e internacionalmente, o Núcleo de Estudos para a Prevenção da Aids (Nepaids). Trata-se de um instituto interdisciplinar que desenvolve análises, pesquisas de campo e tecnologias inovadoras para o combate ao HIV/aids. Um de seus integrantes é a psicóloga e educadora Vera Paiva, professora titular do Departamento de Psicologia Social da USP, que atualmente coordena um programa educativo de prevenção em escolas públicas de São Paulo e do Distrito Federal.

O programa leva a alunos do ensino médio informação abalizada sobre sexualidade e vida reprodutiva, numa perspectiva laica que conjuga não só o respeito a diferentes credos, mas o respeito a princípios éticos, valores democráticos e direitos humanos. Pois com todo esse aparato formal, ainda assim Vera admite: não tem sido nada fácil informar e sensibilizar a juventude sobre os riscos de infecção. Por quê?

“Há tempos vínhamos percebendo uma mudança na sociedade brasileira, ligada à religiosidade. O Brasil, que soube dar uma resposta de alto nível à epidemia da aids nos anos 1990, valendo-se da noção de acolhimento do outro e somando forças com católicos, protestantes, evangélicos, judeus, praticantes de cultos afro e outros, a partir de 2008 começou a fazer uma inflexão em sentido oposto”, afirma. “Em vez da abordagem do acolhimento, vimos emergir a abordagem da culpabilização do portador do vírus. Há casos até de perseguição a essas pessoas. Para nós, a religiosidade que ajuda na prevenção é a do acolhimento, da diversidade.”

Essa “inflexão” a que se refere a pesquisadora repercute no processo de formação dos jovens. No Brasil, a média de idade para o início da vida sexual se dá entre 14 e 15 anos – e não é muito diferente da encontrada na maioria dos países ocidentais. Ao fim do ensino médio, cerca de 90% dos estudantes brasileiros já tiveram relações sexuais. “Mesmo que as religiões queiram retardar esse início, uma vez que a vida sexual começou, ela segue”, diz Vera. Jovens ainda virgens nessa faixa etária, segundo relatos colhidos pelo núcleo, tornam-se alvos de “bullying” dos colegas, porque são considerados fora da norma.

A sexualidade, na hierarquia católica, esbarra numa muralha de resistências, como o veto aos programas de distribuição de camisinhas

Com uma crescente onda conservadora opondo obstáculos a que estudantes recebam informação sobre sexualidade nas escolas, mais e mais acaba sobrando para a família a responsabilidade de “educar” filhos em temas bem complexos – entre eles, a prevenção da aids e outras tantas doenças sexualmente transmissíveis, os riscos da gravidez indesejada, a violência de gênero. Curiosamente, esses obstáculos aparecem tanto na rede pública quanto na rede privada de ensino.

“O problema é que a maioria dos pais pede essa formação, ainda que num curso optativo, como o que oferecemos, ao contrário do que acontece em países como a Alemanha, onde é curso obrigatório”, afirma Vera. “A verdade é uma só: os pais sabem que não estão preparados para abordar esses assuntos. Acham muito difícil acessar a intimidade dos filhos e sentem-se angustiados com a disseminação da pornografia, pedofilia e outras formas de abuso pela internet, sem poder controlar o acesso que os jovens têm a esse universo.”

Pesquisadores do Nepaids não têm dúvida: hoje crianças e adolescentes se “iniciam” na vida sexual guiados pelo que veem e descobrem em seus celulares e computadores. E, na maior parte das vezes, o que veem e descobrem passa longe de uma boa formação. Nesse sentido, Vera Paiva afirma que apenas cursos ministrados por profissionais capacitados farão frente aos desafios atuais. “Aulas de biologia não dão conta do recado. Idem para pregações religiosas”, afirma. Como constatou no projeto que coordena, em escolas que oferecem programas de prevenção à aids, o índice de gravidez indesejada na adolescência cai ao nível zero. Por outro lado, hoje, por falta de informação, meninas usam a pílula do dia seguinte para evitar a gravidez, mas se descuidam do uso do preservativo, para prevenir a contaminação por HIV.

“Prevenção é trabalho complexo. Não adianta martelar os ouvidos dos jovens dizendo ‘tem que usar camisinha, tem que usar camisinha’, porque isso não funciona”, afirma o antropólogo americano Richard Parker, professor emérito da Columbia University e presidente da Abia (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids). Ele foi autor do primeiro artigo antropológico sobre aids numa revista de divulgação científica, “Medical Antropology Quartely”, em 1987. Enveredou por esse caminho quando muitos colegas seus eram marginalizados – falar de aids não era coisa séria no meio acadêmico. Continua seguindo de perto os desdobramentos da epidemia no Brasil.

“Infelizmente, o país desmontou muitas das suas ações educativas no campo da prevenção nos últimos anos, preferindo investir no modelo biomédico do tipo ‘testou, tratou’: se for soropositivo, coloca-se o indivíduo em tratamento para reduzir ao nível mínimo a carga viral e assim inibir a transmissão. Só que essa estratégia resolve uma parte do problema, não resolve tudo”, adverte Parker. A começar pelo fato de que, no plano individual, não se pode forçar uma pessoa a se submeter a qualquer tratamento; e, no plano geral, a política da testagem não desfaz a teia de vulnerabilidades sociais que envolve – e alimenta – a epidemia.

Para a comunidade internacional de combate ao HIV/aids, o Brasil foi durante longo tempo um modelo a ser seguido. Nos anos 90, quebrando patentes de laboratórios, o país bancou a distribuição universal e gratuita das drogas retrovirais por meio do SUS. Formou-se ali um sólido campo de ação e vigilância epidemiológicas, aliado a um ativismo social exuberante, gerando o que se convencionou chamar de “resposta brasileira à epidemia” – interdisciplinar, plural, democrática, ética.

Uma resposta que nada tinha a ver com o preconceito disseminado em relação a populações infectadas na África. Nem com o estereótipo pejorativo de “peste gay”. A experiência brasileira criou um standard: para combater a epidemia, seria fundamental entendê-la em todas as suas dimensões, passando por representações sociais, culturais, econômicas e religiosas, encarando o fenômeno persistente da desigualdade e mantendo um olhar especial sobre os direitos humanos.

Foi com esse arcabouço que o Brasil se fez ouvir: no ano 2000, no Congresso Mundial de Aids em Durban, na África do Sul, o país foi protagonista não só pelo número de participantes, mas pela alta qualidade das intervenções. Já em 2018, no mesmo congresso em Amsterdã, na Holanda, o Brasil deu ares de grande ausente. E por quê?

“Eu diria que, ao longo do processo de redemocratização e até os governos Lula, tivemos décadas de avanço continuado. Com a presidente Dilma Rousseff, o que vimos foi a aids virar moeda de troca para bancadas religiosas no parlamento”, avalia Richard Parker, ressalvando que o governo Temer até recuperou um pouco do terreno perdido.

Essa visão tem sido compartilhada por parte da comunidade científica e entidades que atuam nesse campo: nos anos Dilma, para aprovar matérias de interesse do Executivo em troca de uma governabilidade que ao fim se provou insustentável, acordos teriam sido fechados na tentativa de salvaguardar interesses oficiais e, ao mesmo tempo, atender a interesses religiosos. Tais acordos resultaram em censura a campanhas de informação, interdição de materiais pedagógicos para prevenção, interrupção de ações educativas e redução de verbas para pesquisas.

Como reforça a antropóloga Sonia Corrêa em artigo para a coletânea “Aids, Mitos e Verdades”, publicada pela Abia, esse ativismo político-religioso se fez notar, alto e bom som, nos inúmeros votos em nome de Deus e da família de parlamentares a favor do impeachment de Dilma. Sobre a dinâmica que torna o Executivo refém de negociações instáveis com esses legisladores, Sonia acrescenta: “(…) tem impactado negativamente as políticas públicas de vários campos moralmente sensíveis, como saúde e direitos reprodutivos, HIV e aids, educação em sexualidade”.

Em 2011, o Executivo suspendeu a distribuição de vídeos criados para combater a homofobia. Foram apelidados de “kit gay” e deram combustão a discursos conservadores. No ano seguinte, houve censura do Ministério da Saúde à campanha de prevenção ao HIV para o Carnaval. Em 2013, nova censura para campanha dirigida a prostitutas, determinação que teria levado o então diretor do Departamento de HIV, Aids e Hepatites Virais a pedir exoneração.

Ainda observando a guinada conservadora, calcula-se que o número de evangélicos no Brasil hoje beire 43 milhões de pessoas. Considerando o ritmo com que se multiplicam, poderão vir a constituir a maioria religiosa no país – que ainda é a grande nação católica do mundo – antes de 2030. Nesse vasto universo de pastores e buscadores da fé, há igrejas hegemônicas como a Assembleia de Deus, com mais de 12 milhões de fiéis, fincando posturas rígidas no campo da sexualidade. A homossexualidade, por exemplo, é transferida para o terreno do pecado, da transgressão. Portadores do HIV precisariam ser “regenerados” – física e espiritualmente.

“As consequências desse tipo de discurso são visíveis. Temos hoje mais homofobia, mais estigmatização, mais preconceito, e, o que é dramático, menos prevenção”, afirma Grangeiro, relembrando a declaração do então presidenciável Jair Bolsonaro de que não corria o risco de ter um filho gay por ter educado bem os seus. “Ao contrário do que se diz por aí, hoje precisamos de muito mais esclarecimento sobre como combater a transmissão do vírus. E estamos perdendo aquele momento em que os programas de prevenção ainda respondem bem.”

Por dogmáticas que possam ser, religiões não impedem o aparecimento de discursos alternativos a seus cânones. Hoje já se estuda o fenômeno do “pentecostalismo inclusivo”. São igrejas dissonantes em relação à pregação de muitas evangélicas. Nesses templos, como a Igreja da Comunidade Metropolitana de São Paulo ou a Igreja Cristã Contemporânea do Rio, acolhe-se o “cristão gay” sem condená-lo aos porões do inferno.

Em trabalho acadêmico bastante original, o cientista social Marcelo Tavares Natividade, da Universidade Federal do Ceará, estuda como o homossexual que é fiel das igrejas inclusivas pode vivenciar a passagem da criatura deformada para a criatura transformada, em ambiente em que o respeito à diferença consegue ser mantido. Ser gay faz parte do humano e do divino, conclui o pesquisador em seu estudo.

Já a temática da sexualidade, na hierarquia católica, continua a esbarrar numa conhecida muralha de resistências – entre elas, o veto aos programas de distribuição de camisinhas. Mesmo o papa Francisco, tão firme no combate à pedofilia dentro da igreja e que perguntou publicamente “quem sou eu para julgar os gays?”, emite sinais contraditórios ao falar para pais de crianças e jovens com tendência homossexual – numa recente visita à Irlanda, recomendou que famílias procurem a ajuda de psiquiatras.

Fato é que, passadas quase quatro décadas de convivência com o vírus, parece impossível tentar enfrentá-lo tratando a homossexualidade como doença ou pecado. Defensor das políticas estruturadas de prevenção, dom Paulo Evaristo Arns, cardeal e arcebispo emérito de São Paulo, não titubeou a se pronunciar logo nos primeiros tempos da epidemia: “Entre o preservativo e a vida, sou pela vida”. E, em 2000, lá estava ele, inaugurando o primeiro seminário “Aids e os Desafios para a Igreja no Brasil”, ao lado do então ministro da Saúde, José Serra, e do sanitarista Paulo Teixeira. Sua postura respaldou a criação da Comissão Pastoral DST-Aids, que passou a atuar de forma ecumênica.

Novas infecções crescem entre jovens homens que fazem sexo com homens, mas decrescem entre mulheres de quase todas as faixas etárias

Mas nem todas as tensões ocorrem no terreno da fé. Muitos estudiosos sinalizam a necessidade de buscar novas abordagens para conter a transmissão do vírus, em tempos de drogas e tratamentos eficazes, porém, de baixa prevenção. No início da epidemia, era possível colher dados de vigilância epidemiológica simplesmente a partir do número de casos diagnosticados – até porque eles acabavam levando a óbito. Hoje isso não ocorre: a expectativa de vida de um soropositivo que se trata corretamente pode ser muito parecida com a de um soronegativo. Mas isso não quer dizer que a epidemia está sob controle.

No Brasil, cerca de 90% das pessoas em tratamento, mesmo as que têm planos privados de saúde, procuram o SUS para obter os retrovirais – é um processo mais simples e menos oneroso do que importar medicamentos, por exemplo. Também são oferecidas na rede de saúde duas metodologias de prevenção que se revelam bem eficientes – a Profilaxia Pós-Exposição ao HIV (PEP) e a Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP).

A primeira consiste em tomar a droga retroviral em até 72 horas após a relação, por 28 dias. A segunda, de uso contínuo, é indicada para pessoas que não conseguem se adaptar ao preservativo ou para casais onde um parceiro é soropositivo. “Não há dúvida de que esses retrovirais revolucionaram a resposta ao HIV”, afirma Grangeiro. “Quem faz uso deles de forma orientada não adoece e nem transmite, além de ter uma qualidade de vida satisfatória. Mas os médicos ainda têm receio de dar esse tipo de informação.”

As razões desse receio têm suas justificativas – os medicamentos disponíveis chegam a zerar a carga viral, mas não curam; vacinas têm sido testadas, mas todas com resultados relativos; o tratamento com retrovirais precisa ser muito controlado, o que demanda um tipo de acompanhamento clínico ao qual a grande maioria dos brasileiros não tem acesso; as metodologias preventivas exigem, cada vez mais, profissionais habilitados, portanto, falta investir em formação; por fim, não dá mesmo para imaginar que está tudo resolvido.

“Estamos longe do fim. Não adianta pensar que abordagens biomédicas vão dar conta de tudo. Nem supor que essa onda conservadora vai vencer a epidemia. Precisamos urgentemente de mais informação, pesquisa, respeito à diversidade, compromisso com direitos e, sobretudo, mais mobilização social”, afirma Richard Parker. Desse grande mix, imagina o antropólogo, podem sair novos modelos de prevenção combinada, onde a ciência e a clínica médica caminharão lado a lado com uma sociedade mais esclarecida, mais mobilizada, mais democrática. Essa parece ser a conversa da vez para quem quer falar sério de aids no Brasil.

Fonte: Valor Econômico