A CNI (Confederação Nacional da Indústria) entrou com ação no STF (Supremo Tribunal Federal) contra uma regra trabalhista que protege pessoas que vivem com HIV e outras doenças estigmatizantes.

A ação, protocolada no dia 31 de janeiro, contesta uma súmula do TST (Tribunal Superior do Trabalho) de 2012 que presume como discriminatória a demissão de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Se comprovado o ato, o trabalhador tem direito à reintegração no emprego.

O alvo da CNI na ação levada ao Supremo Tribunal Federal (STF) é uma regra de 2012 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que na prática impede a demissão de funcionários soropositivos.

“Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego”, diz o texto da súmula 443 do TST.

O advogado do Grupo de Incentivo à Vida, Cláudio Pereira, explica que “essa súmula não trata apenas do HIV, mas de outras doenças como, por exemplo, alguns tipos de câncer. Isso obriga a empresa a comprovar porque ela demitiu a pessoa. Ali não está dizendo que ela não pode demitir. Acho que eles estão aproveitando esse momento conservador para demitir as pessoas com HIV, porque se não teriam entrado com essa solicitação há muito tempo.” 

A realidade nas empresas

A discriminação nas empresas tem sido há anos um problema para as pessoas que vivem com HIV. É o caso de Lúcia* que foi demitida na empresa depois que o líder soube de seu diagnóstico. “Fui admitida em uma empresa do segmento da construção civil em 2013, na época a empresa tinha por volta de 50 funcionários e fui contratada para ajudar no crescimento da empresa, e colocar a área de recursos humanos para funcionar. Em maio de 2014 consegui uma promoção devido ao meu desempenho na área e a empresa de 50 funcionários estava fechando uma folha de 200 funcionários além da área de RH em pleno funcionamento. Fui diagnosticada, em agosto de 2014 e como estava no meio de vários projetos e o médico do meu primeiro atendimento me assustou muito quanto à medicação acabei contando para o dono da empresa”, conta.

“Ele me apoiou, me deu todo suporte pois eu estava iniciando o tratamento, foi solidário com a minha dor, mas 20 dias depois eu estava sendo desligada. A justificativa era: ‘estamos com problemas financeiros’. Mas apensar de me desligar disse que eu não teria o corte do meu plano médico pois ele sabia que eu iria precisar e que meu desligamento era estratégico. Apesar de entrar na justiça a empresa foi “vendida” e o novo dono nunca compareceu em nenhuma audiência. Ganhei por revelia.”

Outras Possibilidades

Já a ativista, consultora em prevenção ao HIV, Silvia Almeida, teve a oportunidade de viver uma experiência diferente. “Dez anos após trabalhar como telefonista em uma empresa, descobri o HIV. Como meu rendimento devido ao estresse, emocional e por conta do estado de saúde do meu marido, precisei contar para minha chefe. A empresa tinha uma política interna para HIV/aids, com programas de não discriminação, de orientação e prevenção.”

Silvia conta que não sofreu preconceito e que comunicou até à presidência da empresa. “O presidente entendia todo o contexto da aids e começou a implantar política de aids. E depois de cinco anos comecei a fazer palestras sobre o tema na empresa. Inclusive nos escritórios da empresa em outros estados, no interior do Brasil.”

Durante muitos anos, Silvia representou a empresa no Conselho Empresarial Estadual Contra Aids, que incentivava ações de prevenção no meio empresarial. A ativista conta que o trabalho foi expandindo para comunidades, para escolas e que, pôde realizar tudo isso justamente porque não era discriminada. Foi então que começou a atuar na área de responsabilidade social, o que gerou seus primeiros trabalhos enquanto consultora.

Perspectiva

Na avaliação do superintendente jurídico da CNI, Cassio Borges, a regra seria um “excesso”.

“É um excesso, uma inversão descabida do ônus da prova que torna abusiva toda e qualquer demissão, praticamente afastando o direito do empregador de demitir sem justa causa”, afirma Borges em nota enviada pela confederação.

De outro lado, defensores da regra afirmam que ela existe para garantir segurança e estabilidade a pessoas que vivem com o HIV. A ministra Cármen Lúcia será a relatora da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) movida pela confederação, ainda sem data para ser discutida na Corte.

Nesse sentido, Cláudio defende que “seria interessante que instituições que atuem com pessoas com HIV e outras doenças mandem cartas para o STF direcionadas à Carmem Lúcia explicando a importância dessa súmula.” 

 

*Atendendo à pedido da entrevistada, sua identidade foi preservada.

 

Dica de Entrevista

Silvia Almeida

E-mail: silvinha.almeida11@gmail.com

 

Grupo de Incentivo à Vida

Telefone: (11) 5084-0255

 

Jéssica Paula (jessica@agenciaaids.com.br)