Diana Pequeno, mestre de cerimônias do evento

“Abandonada por vocêee, apaixonada por vocêeee, essa paixão ainda me guia. Eu vejo o vento te levar, tem as estrelas para sonhar e ainda te espero todo diaaa.” Todas conhecem a letra e cantam, repetem o refrão, como se estivessem no palco em uma apresentação musical. Muita força e em voz alta. Cantam com o coração.

Mestre de cerimônia, Diana Pequeno chamava as apresentações, contava sua história. “Mesmo sendo analfabeta eu faço o que posso pela comunidade. Tenho 60 anos, vivo há 32 com HIV, mas meu espírito é de 25 anos. Quem se cuida fica aqui, quem não se cuida, vai embora.” A cada piada, foram muitas e divertidas, a plateia se deliciava e divertia. Diana intermediou a apresentação do evento com performances, tiradas engraçadas e dicas de prevenção.

O Serviço de Atendimento Especializado (SAE) Campos Elíseos foi palco para a confraternização anual das mulheres trans e travestis que no evento marcou o encerramento do projeto Rodas da Sexualidade, concebido pelo Instituto Cultural Barong, com apoio do Programa Municipal de DST/Aids da cidade de São Paulo. Durante dois anos, quatro turmas com 14 alunas participaram de dinâmicas criativas que trabalharam a comunicação, cidadania, direitos humanos por meio do teatro.

Uma geral da festa

O SAE Campos Elíseos atende mensalmente cerca de 8 mil pacientes. “Desses, 5% são transsexuais. O projeto foi importante. Ajudou a empoderar, fez com que as meninas se conhecessem mais, integrou-as com mais facilidade ao serviço. Essa dinâmica facilitou a adesão e vinculação ao nosso trabalho”, explicou Tatiane Pavão, gerente da unidade. “Outro detalhe importante, foi o fato delas repassarem o conhecimento e trazerem amigas que também se vincularam e puderem ter acesso ao tratamento e acolhimento que nossa equipe oferece”, comentou.

Fernanda e Hérica cuidaram dos detalhes da festa

A equipe do Barong se virou para que o evento acontecesse. Fernanda, que durante o curso fez as vezes de sonoplasta, mostrou sua habilidade durante a festa. Hérika, vestida de contra-regra, deu conta de todos os detalhes. Margareth, além de acompanhar tudo com atenção, cantava e conhecia grande parte das músicas. Quando a chuva caiu – tem tido temporais relâmpagos nos finais de tarde em São Paulo – Welton se desdobrou para que o evento seguisse e não terminasse antes. Marta, com um brilho de felicidade e dever cumprido nos olhos, prestava atenção atentamente às apresentações e ao vento que quase tirou do lugar o telão colocado à frente da bandeira arco-íris.

Margareth e Marta do Barong e Marcos Blum, representando o Programa Municipal

Também a equipe do próprio SAE mudou cadeiras de lugar, enxugou um pouco a água que teimava em querer apagar um pouco o fogo da festa. Os discursos e apresentações continuaram. Representando a coordenação do Programa Municipal, Marcos Blum disse se sentir muito alegre “por encontrar pessoas que conheço e trabalho há tantos anos e por ver a comunidade dentro da unidade. Isso reforça o trabalho de todas como artistas e pessoas”.

Música presente na festa

Coordenador da área de prevenção do Programa Municipal, Adriano Queiroz ressaltou o trabalho da equipe. “É importante e representativo uma ação assim em um serviço de saúde que atende uma população extremamente vulnerável. Sem a dedicação dos agentes de prevenção não alcançaríamos essa população”. Outra integrante do Programa Municipal presente e bastante aplaudida no evento, Aline, enfermeira e travesti disse ter “muito prazer e honra em representar todas vocês dentro do Programa.”

“Ao mestre com carinho”

O mestre Tadeu mostrando os mimos

Uma espécie de cortador pequeno para abrir cartas e uma embalagem bonita com perfume. São as lembranças físicas que simbolizaram o carinho da turma com o professor que durante os últimos 24 meses preparou aulas, trouxe dinâmicas diferenciadas, incentivou, corrigiu, aplaudiu, ensinou e aprendeu junto. Tadeu di Prieto coordena grupos e dinâmicas faz tempo. Tem claro como usar “o teatro como ferramenta de expressão que ajuda a encontrar nosso lugar no mundo”. Assim trabalhou com as meninas. Paciência, carinho, acolhimento e, principalmente, respeito fizeram parte de sua receita para ensinar e ajudar a empoderar.

“Nossa principal luta no século 21 é transformar o mundo com muito amor, vivenciamos essas emoções com este projeto”, comentou emocionado ao agradecer a homenagem, os presentes e o carinho. No cartão, a simples e carinhosa homenagem, “ao mestre com carinho, turma 2019”.

Momentos em aula

Uma das alunas, Naisa Zaaiah, avaliou o curso

“Foi uma experiência maravilhosa. O Tadeu trouxe um conteúdo que nos ensinou bastante. Técnicas de teatro para lidar melhor com as situações da vida. Aprendemos muito de arte, história, filosofia. Queremos mais cursos assim”.

Idealizadora das Rodas da Sexualidade, Marta Mcbritton, que coordena o Instituto Cultural Barong, esteve radiante durante toda a cerimônia. Aquela sensação de dever cumprido e a alegria do projeto ter dado certo. “Não podemos nem pensar em parar. Os resultados nos dão força e levam para frente. Nos aguardem. Vamos atrás, é um projeto que tem que continuar “, anunciou.

O Programa Municipal foi o principal apoiador do projeto. A festa de encerramento teve o apoio da equipe do SAE e da DKT do Brasil. Projetos assim que ajudam a inserir, acolhem, incentivam o respeito, ampliam a visão e agregam cidadania têm que continuar e se replicar neste momento de Brasil onde a intolerância mostra sua truculência todos os dias. Projetos assim que trazem arte como caminho de transformação e ressignificação da vida têm que ter fôlego e continuidade sempre. Como disse a coordenadora do Barong, “ é um projeto que tem que continuar”. Estamos juntos para torcer e agregar no que for possível!

 

Dica de entrevista

Instituto Cultural Barong

Telefone: (11) 3081-8406

 

SAE Campos Elíseos

Telefone (11) 3331-1317

 

Roseli Tardelli