As ações afirmativas de empresas para a inclusão de pessoas LGBTI e para promover o respeito à diversidade no mercado de trabalho ainda são escassas e inconsistentes. A conclusão é da Organização das Nações Unidas. A ONU reconhece que a última década trouxe avanços para milhares de gays, lésbicas, bissexuais, pessoas trans e intersexo ao redor do mundo, mas ressalta que esse progresso foi sido parcial e desigual, com avanços significativos alcançados em alguns países e para algumas comunidades, compensados pela falta de progresso, ou até mesmo retrocesso, em outros lugares.

“Se quisermos alcançar um progresso global mais rápido rumo à igualdade para lésbicas, gays, bissexuais, travestis, pessoas trans e intersexo, o setor privado não apenas terá de cumprir com suas responsabilidades de direitos humanos, mas também de tornar-se um agente ativo de mudança”, afirmou Zeid Ra’ad Al Hussein, Alto Comissário de Direitos Humanos da ONU, na abertura do relatório “Enfrentando a discriminação contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis, pessoas trans e intersexo – Padrões de Conduta para Empresas”.

“Essas pessoas são excluídas do acesso ao meio. Se não têm acesso ao trabalho, não têm acesso a aluguel, não têm como cuidar da saúde, da sua saúde mental”, afirma Pri Bertucci, fundador do SSEX BBOX.

Os padrões de conduta foram definidos pela ONU com base em normas e boas práticas reconhecidas internacionalmente, elaborados após um ano de reuniões consultivas regionais, com representantes de empresas e da sociedade civil na Europa, África, Ásia e Américas. O documento oferece a empresas de todo o mundo – de pequeno, médio e grande porte, nacionais e multinacionais – orientações sobre como respeitar os direitos da população LGBTI dentro e fora do mercado de trabalho.

Para chamar o setor empresarial brasileiro a assumir essa responsabilidade, a campanha Livres & Iguais da ONU lançou o documento em evento em São Paulo no mês passado, como parte das comemorações do Mês Internacional do Orgulho LGBT. “É particularmente importante realizar o lançamento latino-americano dos Padrões de Conduta em São Paulo, já que o setor privado brasileiro aderiu de modo extraordinário a eles desde o início, com mais de 17 empresas na lista de primeiros apoiadores”, ressaltou Fabrice Houdart, Oficial de Direitos Humanos das Nações Unidas e co-autor do relatório. Entre as signatárias estão Braskem, Gol, Natura, Jogê, entre outras (veja a lista completa abaixo). Globalmente, mais de 140 empresas já manifestaram apoio a iniciativa.

Veja abaixo quais são os cinco compromissos básicos que as empresas devem assumir para combater o preconceito e apoiar a diversidade:

Compromissos básicos das empresas

Sempre

1. Respeitar os direitos humanos de funcionários, clientes e membros da comunidade LGBTI em suas operações e relações comerciais e desenvolver políticas e mecanismos para monitorar e comunicar o cumprimento das normas de direitos humanos.

No local de trabalho

2. Acabar com a discriminação contra funcionários LGBTI. As empresas devem garantir que não haja discriminação no recrutamento, na contratação, nas condições de trabalho, nos benefícios, no respeito à privacidade ou no tratamento de situações de assédio.

3. Apoiar. Indivíduos LGBTI são funcionários, gerentes, empresários, clientes e membros da comunidade, entre outros, porém muitos deles ainda enfrentam enormes obstáculos para serem aceitos e incluídos no ambiente de trabalho. Espera-se que as empresas proporcionem um ambiente positivo e afirmativo para que funcionários LGBTI possam trabalhar com dignidade e sem estigma. Este padrão requer que as empresas vão além dos benefícios igualitários e tomem medidas para garantir a inclusão, inclusive abordando as necessidades específicas das pessoas LGBTI no ambiente de trabalho.

No Mercado

4. Prevenir outras violações de direitos humanos. As empresas devem garantir que fornecedores, distribuidores ou clientes LGBTI não sejam discriminados no acesso aos seus produtos e/ou serviços. Em suas relações comerciais, as empresas também devem garantir que seus parceiros comerciais não pratiquem discriminação. Quando um parceiro comercial discriminar pessoas LGBTI, as empresas devem usar sua influência para buscar impedir o ato discriminatório. Isso significa ir além de evitar a discriminação para abordar questões de violência, bullying, intimidação, maus tratos, incitação à violência e outros abusos contra pessoas LGBTI nos quais uma empresa possa estar envolvida através de seus produtos, serviços ou relações comerciais.

Na comunidade

5. Agir na esfera pública e defender os direitos humanos de pessoas LGBTI nas comunidades onde realizam seus negócios. As empresas são incentivadas a usar sua influência para contribuir com o fim dos abusos contra direitos humanos nos países onde atuam. Ao fazer isso, elas devem consultar de perto as comunidades e organizações locais para identificar que abordagens construtivas elas podem aplicar em contextos em que as estruturas legais e as práticas existentes violam os direitos humanos de pessoas LGBTI. Essas medidas podem incluir incidência no debate público, ações coletivas, diálogo social e apoio financeiro e em espécie para organizações que promovem os direitos de pessoas LGBTI e questionam a validade ou a implementação de ações governamentais abusivas.

No mercado, pessoas trans ainda são os principais alvos de preconceito.

Para a ONU, muitas companhias descobriram que enfrentar ativamente a discriminação e promover a diversidade e a inclusão também trazem benefícios econômicos. Porém, os avanços ainda são considerados desiguais. A ONU avalia que algumas empresas possuem políticas em vigor para proteger lésbicas, gays e bissexuais, mas ainda precisam tomar medidas para proteger travestis, pessoas trans e intersexo.

No Brasil, o país mais violento para travestis e transexuais do mundo, o preconceito e a baixa escolaridade não permitem que a maior parte dessas pessoas tenham uma oportunidade no mercado de trabalho formal. De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 90% da população trans vive exclusivamente da prostituição – muitas vezes por não terem tido oportunidade de estudo ou outra forma de se sustentar. Apenas 6% têm empregos informais e 4% têm empregos com fluxo de carreira.

“Essas pessoas são excluídas do acesso ao meio. Se não têm acesso ao trabalho, não têm acesso a aluguel, não têm como cuidar da saúde, da sua saúde mental. As empresas começam a perceber essa hegemonia, perceber que são constituídas de pessoas heteros, cis, brancas. E começam a se abrir para esse processo”, contou Pri Bertucci, fundador do SSEX BBOX, iniciativa parceira da campanha Livres & Iguais da ONU na realização do lançamento dos padrões de conduta no Brasil e que realiza oficinas e palestras dentro de empresas interessadas em promover a diversidade e a inclusão de pessoas LGBTI.

“O nome social é o nome da pessoa. O nome de registro deve estar só relacionado a Rais e a informações do RH, que sejam sigilosas”, diz Julia Rosemberg.

Quando o assunto é a contratação de pessoas trans, o nome social e o uso do banheiro são as duas principais questões imediatamente trazidas pelas empresas, explicou Júlia Rosemberg, coordenadora do SSEX BBOX. “Quando a gente vai dar palestras e oficinas nas empresas, geralmente fica dez minutos conversando sobre a questão do banheiro. O que na verdade seria muito simples, que é cada um usar o banheiro conforme o seu gênero. O que chama a atenção é que os argumentos que as pessoas usam nessa questão sempre têm um fundo preconceituoso e discriminatório, nunca é na intenção de fazer uma discussão sobre gênero, ou discutir que tipo de placa é adequada. São essas desconstruções que a gente tem que fazer”, contou a educadora.

Julia também explicou que todas as informações públicas do funcionário ou funcionária trans, como crachá, e-mail ou cartão, devem estar vinculadas ao seu nome social. “O nome social é o nome da pessoa. O nome de registro deve estar só relacionado a Rais e a informações do RH, que sejam sigilosas”, orientou.

Poder usar o seu próprio nome na sua atividade profissional foi determinante para o recomeço vivido por Larissa Wichineski. Há dois anos ela iniciou a transição hormonal e assumiu publicamente, para família e amigos, sua identidade de gênero. O impacto na sua carreira foi imediato. Ela sempre trabalhou por conta própria, ela já havia atuado como representante de vendas, mas há cinco anos ganhava a vida com o seu próprio consultório de massoterapia em Curitiba, Paraná. Ao se assumir uma mulher trans aos 36 anos de idade, Larissa viu clientela sumir. “A princípio todo mundo falou que ia ficar tudo bem, mas o telefone simplesmente parou de tocar. Tentei voltar a fazer vendas, mas as pessoas não querem negociar com alguém diferente”, desabafa.

 

Veja outras empresas que atuam no Brasil e se comprometeram com o padrões de conduta da ONU

Empresas brasileiras

Gol Linhas Aéreas, Braskem, Natura, Mattos Filho Advogados, Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), Maria Farinha Filmes, Jogê, Fotos Públicas, Demarest, MCV Advogadas, O Panda Criativo, Trench, Rossi e Watanabe, Banca Comunicação, Moom, Lee Brock e Camargo Advogados, Grupo Sá Engenharia, Cobasi, Veirano Advogados.

Empresas multinacionais presentes no Brasil que também apoiam a iniciativa

Accor Hotels, Avianca, Calvin Klein, Johnson & Johnson, Kellog, KPMG, Levi’s, Pepsi Cola, Santander, Société Générale, Sodexo, Telefônica/Vivo, Thyssen Krupp, Uber e Zara.

 

Com as dificuldades, Larissa fez o mesmo que muitos brasileiros nos últimos anos de crise: virou motorista de aplicativos de carona. Há um ano ela se cadastrou na Uber, ainda como Leandro, seu nome de registro. E assim permaneceu por um mês. “Mas pensei, estou mudando a minha vida toda e vou continuar usando esse nome que não me representa mais? Fui até a Uber pela manhã e expliquei que na verdade me ‘fantasiava’ de homem para trabalhar. O pessoal foi ótimo e voltei a tarde para mudar o meu cadastro. Daí para frente, a vida mudou muito”, conta. A Uber permite o uso do nome social no aplicativo, mesmo que o motorista ainda não tenha completado o processo de mudança no seu registro civil.

A empresa é uma das signatárias dos padrões de conduta da ONU e promove ações de inclusão e de respeito à diversidade entre seus funcionários e entre os motoristas que usam a plataforma e trabalham como autônomos. Segundo levantamento feito no ano passado, 15% dos empregados formais da Uber em todo o mundo se declararam espontaneamente LGBTQ+.

 

Fonte: HuffPost Brasil