Na maior parte dos casos silenciosa, a hepatite viral é uma doença diversa que pode levar à falência do fígado. Mas pode ser evitada com vacina, nos casos dos tipos A e B, e com cuidados, como sexo seguro, não compartilhamento de objetos cortantes e cuidado com a higiene da água.

A hepatite é um termo amplo que se refere a uma inflamação no fígado. Segundo a hepatologista Elizabeth Balbi, da Rede D’Or, ela pode ter origem medicamentosa, autoimune, alcoólica, por doença metabólica e também viral.

São cinco tipos de hepatite: A, B, C, D e E, cada uma causada por um vírus diferente. As três primeiras são mais comuns, no entanto, só há vacina para a hepatite A e para a B. De acordo com o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde sobre as hepatites virais, divulgado em 2020, os casos apresentam queda nos últimos anos. Contudo, o país tem a meta de reduzir em até 90% os casos da doença e em 65% as mortes associadas a ela até 2030, conforme compromisso firmado no Plano Estratégico Global das Hepatites Virais.

Por conta da falta de vacina para hepatite C, Marcelo Costa, hepatologista do Hospital Sírio-Libanês, explica que, nos últimos sete a oito anos, cientistas focaram os esforços nesse tipo de inflamação viral, trazendo grandes avanços. “Houve um crescimento do conhecimento da virologia, criaram-se técnicas revolucionárias de diagnóstico e tratamento, e, hoje, aos poucos, a doença hepática gordurosa está assumindo a dianteira na necessidade de transplante de fígado”, afirma o médico.

A desinformação, no entanto, ainda é um obstáculo para o controle dessas doenças. Ambas as vacinas fazem parte do calendário do Programa Nacional de Imunização do Sistema Único de Saúde (SUS), mas foram incluídas em momentos diferentes — a da hepatite A, em 2014, e a da hepatite B, no final dos anos 1990. Portanto, é possível que pessoas nascidas em anos anteriores não tenham recebido doses de uma ou de outra.

Marcelo Costa orienta: “Indivíduos jovens que vão iniciar a vida sexual e não foram vacinados devem se vacinar. Adultos antes de 1995, se puderem se vacinar, é o melhor. Melhor investir nisso do que se expor ao risco de se infectar e cronificar. Na dúvida, fazemos o teste: toma uma dose, se tiver resposta imunológica, ou seja, se fizer um pico de anticorpos, significa que você já foi vacinado”.

O fígado

É o segundo maior órgão do corpo, após a pele. É considerado uma conexão entre o sistema digestório e o sangue. Os nutrientes absorvidos no trato digestório são processados e armazenados no fígado para, posteriormente, serem distribuídos para outros órgãos.

Os nutrientes vindos do intestino chegam ao fígado pela veia porta, com exceção dos lipídios complexos, que chegam pela artéria hepática. O sangue vindo do intestino é frequentemente cheio de bactérias. O fígado atua garantindo a morte dessas bactérias.

Hepatites virais: A, B, C, D, E

A
Transmissão: fecal-oral, ou seja, o vírus é eliminado nas fezes do paciente, contamina a água ou alimentos, e pode entrar em contato com a pessoa por meio das mãos.
Por alimento ou água de fonte duvidosa, não tratada.
Por gelo sujo e água não tratada
Sintomas: indisposição, cansaço. Raramente é fulminante, com necrose de fígado e necessidade de transplante.
Segundo o médico Marcelo Costa, a gravidade da infecção é baixa em crianças, mas, no jovem e no adulto, pode ser mais grave.
A hepatologista Elizabeth Balbi ressalta que não há um antiviral para ele, pois o próprio organismo consegue curar a infecção.

B
Contaminação: essencialmente sexual e transversal (via placenta), de mãe para filho, em caso de gravidez; contaminação sanguínea, por meio de transfusão de sangue e uso coletivo de objetos cortantes.
Taxa de cronificação: de 5% a 10% ficam com a doença para sempre.
Tratamento antes de evoluir para cirrose: antivirais de alto custo fornecidos pelo SUS. Uso contínuo para o resto da vida. “É um vírus DNA, que se incorpora no núcleo do hepatócito, então, o antiviral acaba com a carga viral no sangue, mas o vírus continua no núcleo da célula. Portanto, é necessária manutenção”, explica Elizabeth Balbi.
Pode levar a câncer de fígado.
Sintomas: podem não aparecer ou serem confundidos com qualquer outro desconforto abdominal, náusea, vômito, urina escura, febre, olhos amarelados.

C
Transmissão sanguínea.
Comumente assintomática.
Altas taxas de cronificação.
Muitas opções de tratamento: “Terapia foco na cadeia de replicação de reprodução do vírus, que não entra no núcleo do hepatócito”, explica Marcelo Costa.

D
No Brasil, a prevalência mais alta é na região da Amazônia.
Precisa do vírus da hepatite B para sobreviver.
Suprime o vírus da hepatite B, porque usa o maquinário de replicação desse vírus; quando tratada, pode haver uma exacerbação da B.
Cronifica, depende do tempo e da coexistência de outras questões.

E
Rara no Brasil
Transmissão: fecal-oral
Comum na União Europeia, tem relação com o consumo de carne suína infectada e crua ou pouco cozida.

Palavra do especialista Vitor Bertollo, infectologista do Hospital Brasília Unidade Águas Claras

Nos últimos oito anos, houve um grande avanço no tratamento da hepatite C, mas não uma vacina. Por que a imunização, nesse caso, é um desafio?

Não tem um motivo só. O primeiro é que não foi bem estabelecida uma técnica de laboratório que consiga, de maneira consistente, fazer a cultura do vírus in vitro sem que haja grandes alterações nele e que permita a produção em larga escala do vírus, que seria usada para a produção de uma vacina de vírus inativado ou uma atenuada. O primeiro desafio é que não existe um método bem construído de cultivar o vírus artificialmente em laboratório. E isso dificulta as pesquisas para compreendê-lo melhor. Outra barreira é que o vírus tem uma variabilidade genética muito grande — são oito genótipos diferentes e dentro de cada um há subtipos. Isso dificulta muito o desenvolvimento de uma resposta imune que proteja contra todos os genótipos. É uma variedade maior até que do vírus HIV, para o qual não conseguimos uma vacina até hoje. E uma terceira dificuldade é que, para fazer um estudo de vacina de hepatite C, precisaríamos de muita gente e um tempo muito longo.

Mães que tomam as vacinas da hepatite A e da hepatite B e amamentam passam os anticorpos para o bebê? Isso já é suficiente? Ou eles ainda devem ser vacinados?

De maneira nenhuma o aleitamento seria suficiente pra prevenir as duas formas da doença. As vacinas ainda são fundamentais. Quanto à passagem de anticorpos por meio do leite materno, a imunidade produzida por eles não dura para sempre. É uma proteção temporária contra aquela doença, enquanto a mãe está amamentando. Como a hepatite A tem a ver com consumo de alimentos contaminados, até o primeiro ano de vida é incomum esse tipo de exposição. Já com relação à hepatite B, o maior risco de transmissão é pela própria mãe, em transmissão vertical. Então, contar com o anticorpo do leite materno não é suficiente para proteção. Por isso, hoje, o Brasil tem uma política de saúde pública, semelhante em outros países, em que a criança, ao nascer, toma vacina de hepatite B ainda no berçário. Isso reduz o risco em cerca de 90% que ela desenvolva hepatite B, se a mãe tiver. Hepatite A já está no calendário vacinal das crianças e é administrada no primeiro ano de vida, antes de ser exposta de maneira mais importante a alimentos e água contaminada, quando não estaria mais protegida pelo leite materno.

Você acredita que as pessoas ainda estão pouco informadas a respeito das hepatites, das vacinas que previnem os tipos A e B e das formas de prevenção? A imunização está chegando em pessoas suficientes?

Hepatite, no geral, é um tema que, às vezes, até para os trabalhadores da saúde é um pouco confuso, porque tem vários tipos. Se muda a letra, são muito diferentes, têm comportamentos diferentes, modos de transmissão diferentes, fatores de risco diferentes.

Fonte: Correio Braziliense