Conquistar direitos humanos não é tarefa fácil, ainda mais em tempos que avistamos intolerâncias, discursos de ódio e atos de violência, com o silêncio complacente de importantes setores da sociedade. Ainda assim, para fortalecer a já frágil democracia brasileira, é urgente que toda a sociedade se faça representada nos espaços de poder, em especial o Congresso Nacional.

Nos últimos anos, assistimos ao avanço de bancadas fundamentalistas contra direitos das populações mais vulneráveis. Em nome de preceitos religiosos ou em defesa de uma moral absolutamente excludente, impedem a aprovação de legislações destinadas à promoção de direitos e punição de violações das garantias de negros, mulheres, comunidade de terreiros, lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. A ausência de representação destas populações é um fator que torna a luta por sua cidadania ainda mais difícil.

Não há democracia plena sem a participação de todas as populações que compõem o tecido de uma nação na realização das atividades do Estado. A representação de uns não pode subtrair a capacidade de expressar as demandas de tantos outros. A tarefa é, portanto, fazer ecoar todas as vozes nos espaços oficiais da deliberação do Estado destinados à produção das leis – o Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores. No entanto, a missão se torna mais difícil quando esta participação depende da eleição direta de representantes dos povos em situação de vulnerabilidade jurídica e social. Tratam-se de pessoas que nunca foram autorizadas a participar dos processos políticos decisórios, tendo forjado a história dos seus direitos a partir de muita resistência e corajosas lutas.

Lésbicas, gays, bissexuais, travestis e pessoas transexuais nunca foram tratados como cidadãos e cidadãs de plenos direitos. Não há, ainda hoje, leis que assegurem garantias elementares, como a utilização do nome social como identidade civil ou a criminalização das condutas de ódio dirigidas contra pessoas LGBT. Negada a tutela jurídica do Estado, estiveram, durante muito tempo, afastados da participação da política, fato que impediu a formação de uma efetiva consciência de sua condição de sujeitos de direitos. Por esta razão, sem se enxergarem como parte do tecido social brasileiro, a luta por representatividade sempre foi mais difícil e, por vezes, inglória.

A população LGBT atravessou as últimas décadas conquistando visibilidade, assegurando poucos direitos (especialmente no âmbito do Poder Judiciário), construindo diálogos em favor do respeito e tolerância.

Mesmo assim, em termos de representação política, a sua ocupação nos parlamentos ainda padece de maior expressão. Se por um lado busca-se assegurar a constituição de direitos a partir da legitimidade de quem os reivindica, por outro há uma importante simbologia em adentrar os espaços oficiais do Poder: “estamos aqui, existimos!”. O acúmulo de forças adquirido nestes anos permite projetar um horizonte diferente, mais participativo e representativo dos direitos da diversidade sexual e de gênero.

O dia 7 de outubro de 2018 poderá indicar novos caminhos para a conquista de direitos da diversidade sexual e de gênero no Brasil. Mais de uma centena de candidatas e candidatos LGBT se apresentam ao eleitorado, propondo levar aos parlamentos a representatividade expressa em seus corpos e as demandas próprias de quem vivencia na pele, diariamente, a dor e a delícia de ser lésbica, gay, bissexual, travesti ou uma pessoa transexual em um país cujas tradições têm raízes profundas na cultura patriarcal e machista que estimula ódio e aversão às diferenças sexuais e de gênero.

Comparando as eleições de 2014 com as deste ano, o número de candidaturas LGBT para o Poder Legislativo cresceu 386,4%, revelando um importante esforço para estabelecer novos diálogos eleitorais, capazes de pautar as reivindicações desta população nos diversos planos de governo e diretrizes partidárias. Pretende-se com isto, além de viabilizar a eleição destas candidatas e candidatos, fortalecer as lutas por reconhecimento e garantia de direitos, comprometendo partidos e seus parlamentares a se posicionarem em favor de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.

Em geral, as campanhas LGBT enfrentam as mais diferentes formas de resistências em todos os partidos, ainda que de forma velada. Esta situação não será alterada sem que os resultados eleitorais apontem a força e o êxito da estratégia de lançar candidaturas de lésbicas, gays, bissexuais, travestis ou transexuais para assegurar representatividade no processo eleitoral e nos parlamentos. Para tanto, é tarefa de todas as pessoas comprometidas com a luta pelos direitos humanos desta população o empenho para amplificar campanhas e discursos, fazendo as urnas ecoarem as demandas por mais cidadania LGBT, elegendo bancadas expressivas para a defesa das diferenças sexuais e de gênero.

Contra a escuridão que se avizinha, é preciso acender as luzes da igualdade e resistir, afirmar posições, vencer o ódio irracional e garantir plenos direitos para lésbicas, gays, bissexuais, travestis ou transexuais. Quando a vida é uma árdua luta, para abrir as portas que estão sempre fechadas será necessária a imposição de uma força visceral, às vezes desconhecida, mas sempre presente!

* Dimitri Sales é advogado, mestre e doutor em Direito (PUC/SP). É presidente do Instituto Latino Americano de Direitos Humanos (ILADH). Foi Coordenador de Políticas para a Diversidade Sexual do Estado de São Paulo. E-mail: dimitrisales@dimitrisales.com.br.