Por Gabriel Estrela*

Venho de um tempo que ainda não passou
Venho de lá e pra lá me vou
Visitei esse futuro antes de ele acontecer
Pelo poder sonhos, sem precisar adormecer

Então, talvez, não seja bem de um tempo
Talvez eu venha mesmo é de um lugar
Com ruas como as que temos aqui
Mas histórias diferentes pra contar
Outros caminhos pra seguir

O que passei até lá,
O que passei até aqui,
Talvez seja justamente
O que fez esse lugar existir.

Lá nesse lugar
Ou talvez naquele tempo
Ninguém chama Maria de João
Nem de traveco, ou aberração

É um lugar onde palavras como essas
[e aidético, e vagabunda, e tantas iguais]
Só não são escondidas por tarjas
Porque a censura não existe mais

Lá, saúde não é medicamento
Nem agulha, furo ou sangue
Saúde é poder lutar por direitos
[Em lutas que lá não podemos perder]

Lá eu não preciso provar nada a ninguém
Porque o ser humano, lá, é valioso, sem nenhum porém
É gente que merece ser ouvida
E como, lá, ouvir da prazer!

Lá todo mundo encontra o encanto
De cada um ser o que se é
[E não há nada lá que eu não possa ser, ou você]
Com seu sexo, suas audácias e sua fé

Lá ninguém tem medo de ter algo novo
[Ou de revisitar aquilo de que se esqueceu]
Desse lugar não conheço as roupas, ou carros, ou casas
Simplesmente porque durante minha visita isso não pareceu importar

Era todo mundo tão bonito, tão alguém
Que eu nem reparei se estavam de roupa ou sem
[Lá ninguém denuncia a coragem de se expor a pele nua
Branca, preta, minha ou sua]

Desse futuro é claro que eu perguntei
Sobre a cura
[Do vírus, também]
Mas não encontrei
É que lá não se fala em doença
[Lá se tem ciência que se a saúde é luta, a gente às vezes machuca e tá tudo bem]

Porque não há cicatriz, nem culpa, nem medo, nem punição…
Pra quem vive a vida, dia-a-dia, tão plena,
Há apenas carinho e preocupação,
Em garantir que na busca,
que é pela felicidade,
Ninguém passe por cima
de toda a nação.

E se marcados ficarmos pelos desafios da vida
É que marcas todo mundo tem
São apenas enfeites, lembretes,
E não definem, jamais, o futuro que vem
É um lugar tão bonito

Porque lá se ensina a ver
Toda a beleza dos inscritos
Na escola que é o viver
(E viver é a única escola que precisa, essa sociedade que sabe aprender)

O melhor de tudo, te digo
Além da arte, arte por toda a parte,
É que esse mundo não é para mim
Como é pra você.

E tá tudo bem.

* Gabriel Estrela é artista e criador do Projeto Boa Sorte. Vem desenvolvendo projetos de comunicação sobre HIV em seu canal no YouTube a partir de manifestações artistas como música, teatro e fotografia desde 2015.