Falar de maternidade não é algo simples em minha vida, engravidei nos anos 90, quando já era soropositiva e não tínhamos um tratamento tão evoluído para evitar a transmissão do HIV de mãe para filho. É relembrar meses de dúvidas, desespero, medo e um enorme sentimento de impotência.

Você deve estar se perguntando: ‘Como assim escrever sobre todos esses momentos em um artigo de Dia das Mães?’  Pois é, inevitável.

Aquele lado romantizado da maternidade também fez parte da minha vida. A alegria de estar gerando um novo ser,  preocupação com enxoval, quarto da criança, tudo dentro dos conformes. Mas havia um detalhe que escapava da normalidade de uma gravidez. Peço que tentem embarcar comigo nesta viagem em 1993: quando fui uma gravidinha HIV+ inexperiente.

O espanto do meu infectologista quando disse a ele que eu estava grávida foi desesperador. As perspectivas não eram nada animadoras e a única coisa que ele me disse foi: ‘seu parto será obrigatoriamente cesariana, você não poderá amamentar e vamos torcer para você conseguir chegar bem até o final desta gravidez.’

Foi neste clima que vivenciei minha primeira experiência com a maternidade. Tive todo o suporte de um excelente pré-natal e parto, mas o atendimento foi particular.

Aguardei dois dolorosos anos até meu filho ser uma das primeiras crianças a fazer o exame PCR para o HIV, teste de diagnóstico definitivo, no início de 1996 (em implantação num famoso laboratório no Rio de Janeiro) e assim senti um grande alívio ao saber que ele não foi infectado.

Depois, descobri por duas vezes, o lado B da gravidez toda acompanhada via SUS, e dar à luz numa maternidade pública sendo paciente HIV+. Ali sim, compreendi como o preconceito, o estigma e a discriminação podem ser tão letais quanto o próprio vírus.

Vivenciei na pele abusos obstétricos de diversas ordens e exposição de sorologia.
O vhiver não era nada simples e continua não sendo, mas consegue ser muito mais cruel quando as condições financeiras não são favoráveis.

Precisamos de atendimento humanizado. Precisamos falar de maternidade e HIV. Os direitos sexuais e reprodutivos das PVHA (pessoas vivendo com HIV /aids)  devem ser respeitados e divulgados.

Hoje, com a evolução dos antirretrovirais, nós PVHA podemos alcançar uma grande melhoria na qualidade de vida.

Com carga viral indetectável não infectamos nossos parceiros, podemos gerar filhos saudáveis, ter parto normal e há estudos indicando que, até podemos amamentá-los sem o risco de transmissão do HIV.

Hoje, a maternidade na vida das mulheres HIV+ não precisa mais ser um tormento do início ao fim. Nosso país precisa priorizar um pré-natal eficaz e eliminar a transmissão vertical do HIV, da sífilis e das hepatites virais. Todos juntos contra as IST/HIV/aids. Viva a vida! Feliz Dia das Mães!

* Vanessa Campos vive com HIV desde 1992, é mãe de três filhos (duas meninas e um menino) e ativista no combate ao HIV/aids. Representante Estadual da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e Aids do Amazonas e membro do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas.