Por João Geraldo Netto*

Não é de hoje que um acolhimento bem feito tem uma forte influência na maneira como uma pessoa recém-diagnosticada vai enfrentar todo o processo de aceitação da sua condição com o HIV e assumir condutas adequadas de autocuidado. Cuidado esse, aliás, que está diretamente ligado à adesão e ao sucesso do tratamento anti-HIV, garantindo uma qualidade de vida similar a de pessoas que não têm o vírus.

Os grupos de apoio e ajuda mútua surgiram muito antes do aparecimento da aids no mundo, porém, foi usado, desde o início, como uma ferramenta de acolhimento e de trazer conforto aos portadores do HIV através da troca de experiências entre pessoas que sofriam daquela doença altamente fatal. Não era raro entrar e sair participantes em uma espantosa rotatividade. Na mesma velocidade que novos componentes apareciam, outros morriam. A morte era uma realidade muito presente nesses grupos na década de 80 e início dos anos 90.

Durante 35 anos, a importância dos grupos de apoio e ajuda mútua no tratamento contra a aids foi reconhecida e reforçada com grandes estudos científicos. Está provado que o compartilhamento de experiências entre pares tem um impacto positivo no enfrentamento das diversas questões que envolvem essa infecção ainda estigmatizada, mesmo a morte não sendo o maior medo das pessoas que vivem com HIV. Hoje, o que maior receio é do preconceito e da discriminação.

Ao mesmo tempo, o mundo evoluiu para um período onde o contato interpessoal está sendo remodelado, as informações estão cada vez mais dinâmicas e a ciência cada vez mais presente. A tecnologia é uma realidade e está disponível na palma das mãos. Os smartphones trazem todo tipo de informação (correta e incorreta), orienta para condutas e estabelece relacionamentos que podem ou não sair do virtual.

Se você tem mais de trinta anos, deve se lembrar das enciclopédias, que eram o sonho de consumo de muitos estudantes. Hoje, basta uma “googlada” e todas as respostas estão ali, sem folhear nenhuma página e em milésimos de segundos. Também, deve se lembrar da frustração de marcar um encontro pelo telefone fixo e, após esperar por horas no local marcado, voltar para casa sem saber o que aconteceu. Nos dias atuais, uma mensagem ou uma ligação feita a qualquer hora e de qualquer lugar, pode avisar que houve um contratempo e que não será possível ir ao compromisso.

Considerando que as relações interpessoais mudaram e que é preciso ampliar o acesso, criando formas criativas e complementares de alcance de pessoas em diferentes contextos e realidades é que, em 2008, surgiu a Rede Mundial de Pessoas Vivendo e Convivendo com HIV. Pelas mídias sociais digitais, ela tentava desviar das dificuldades que os encontros físicos apresentavam, como a falta de privacidade e horários restrito de funcionamento das unidades de saúde e organizações não governamentais.

A Rede Mundial veio com o objetivo de acolher, orientar, apoiar, ajudar mutuamente e fortalecer o autocuidado de pessoas afetadas pelo HIV usando as mídias sociais digitais. Hoje, a Rede se tornou uma estratégia de comunicação em saúde mais ampla que inclui diferentes canais como:

Site – o site da Rede Mundial foi criado para reunir e facilitar o compartilhamento de conteúdo sobre HIV, que é gerado por ativistas e especialistas da área, se mantendo em constante atualização;

* Grupo secreto no Facebook – foi criado para reunir pessoas afetadas pelo HIV, vivendo ou convivendo com o vírus, e profissionais de saúde. Foi o ponto de partida para os outros canais da estratégia;

Fanpage no Facebook  – a fanpage foi criada com o objetivo de compartilhar conteúdo positivo e inspirador sobre a vida e a infecção pelo HIV;

Canal no Youtube – foi o primeiro canal pessoal no Youtube a compartilhar conteúdo de vídeos falando sobre a própria sorologia positiva para o HIV e informações técnicas. Posteriormente, o perfil pessoal foi substituído pelo do personagem Super Indetectável;

* Grupos no mensageiro WhatsApp – os grupos Rede Mundial e Rede Mundial XXX, no WhatsApp, foram criados a partir de uma solicitação dos próprios membros do grupo no Facebook. Eles possuem perfis diferentes e se tornaram um importante meio de comunicação entre os membros. É necessário participar do grupo do Facebook para entrar nos grupos do WhatsApp;

* Canal de informações no WhatsApp – esse foi o canal criado mais recentemente. O objetivo é compartilhar mensagens para orientar e fortalecer o autocuidado como notícias, dicas, informes e avisos alertando para a realização de exames, campanhas de vacinação, alertas sobre retirada de medicamentos antes de feriados prolongados e férias etc.

Cada canal tem um perfil diferente, porém, respeitam o propósito principal. Profissionais de saúde também são encorajados a participar e, nesse caso, o intuito é orientá-los e sensibilizá-los para questões individuais e subjetivas, mas significativas no enfrentamento da infecção, uma vez que grande parte das queixas dos membros do grupo são da falta de diálogo com os trabalhadores da saúde que os acompanha.

Apenas o grupo da Rede no Facebook recebeu, nos últimos seis meses, cerca de 5,7 mil publicações, 49 mil comentários e 170 mil reações que incluem Curtir, Amei, Haha, Uau, Triste e Grr. Relatos emocionantes e inspiradores são compartilhados com frequência, demonstrando a consequência positiva que esse tipo de estratégia pode ter. Para cuidar de tudo isso, a Rede conta com seis administradores voluntários de todas as regiões do país e uma monitora vivendo fora do Brasil. Também, conta com três monitores auxiliares que apoiam na geração e moderação do conteúdo, estímulo a discussões e mediação de conflitos. Os voluntários são ativistas, profissionais de saúde e de comunicação, vivendo ou convivendo com HIV.

Para participar do grupo da Rede Mundial no Facebook é necessário solicitar o convite na página. Você também pode saber um pouco mais sobre essa estratégia de comunicação em http://RedeMundial.org/sobre e contatar os monitores para replicar a ideia na sua comunidade.

* João Geraldo Netto tem 35 anos e vive com HIV há 15. É ativista e consultor do Ministério da Saúde e do Centers for Disease Control and Prevention americano. É o idealizador da Rede Mundial de Pessoas Vivendo e Convivendo com HIV.